Entrevista


Dark Miles

A incapacidade de os miúdos se concentrarem em mais do que 30 segundos de música, faz com que álbuns incríveis passem completamente despercebidos entre essa geração.


O panorama alternativo nacional tem novo alvo para onde voltar as suas atenções. Novidades antigas. A nível sonoro, com referências e tributos a décadas passadas. E também conta com uma cara conhecida, Pedro Lima, ex-MOSH, já familiarizado com os palcos pelo país fora e que toma agora o nome Pete Miles e lança agora o muito promissor projecto Dark Miles. Já temos um single e umas palavras do próprio para aumentar a ânsia pelo disco de estreia ainda mais.

Mais um projecto criativo a sair do período pandémico, parece que ainda se colhem coisas boas daquele período! Como foi o processo de preparação do disco de estreia e quando tiveste a certeza que tinhas material para criar um projecto novo?

Basicamente a reclusão quase que me obrigou a libertar fantasmas que estavam amordaçados no armário e o veículo mais próximo foi uma velha guitarra acústica que estava ali ao canto, quase que à espera deste momento. Depois de meses a tocar cerca de 4 horas por dia, comecei a sentir que estava ali algo de mais profundo e mais honesto do que qualquer outra coisa que tinha feito até hoje. A partir daí foi só pedir a opinião a amigos se valia a pena editar e a resposta foi um conclusivo “SIM”.

As diferenças para com a música que tocavas anteriormente foi natural ou encaraste, conscientemente, esta nova faceta como um desafio?

Foi natural porque sempre tive na ideia fazer algo completamente diferente do que fazia em MOSH. As minhas influências vão muito para além da cena pesada, eu nasci em ’74 portanto os anos 80 e os anos 90 foram fundamentais para o meu crescimento enquanto indivíduo e enquanto artista. Eu tanto ouvia Iron Maiden como Depeche Mode e a paixão era a mesma, portanto já era hora de prestar homenagem às bandas que me tocaram dentro do universo alternativo, new wave, synthpop, etc.

 

 

O singleYour Heart Is an Empty Street” traz as prometidas influências das décadas de 80 e 90. É o que podemos esperar para o disco, ou a panóplia de estilos ficará mais extensa e podemos esperar surpresas?

Não foge muito dessa era, os estilos é que poderão ser diversificados. Tentei fazer algo mais ecléctico e acho que consegui, modéstia à parte.

O single é descrito com uma “temática de libertação pessoal, depois de uma vida de abusos.” Todas as letras terão uma fonte pessoal?

É impossível uma letra não ser pessoal, mesmo que não seja escrita sobre ti. Se não sentires o que estás a escrever/criar, que merda de artista és tu? Não dá para seres dissimulado quando crias, ou dás tudo o que és, ou então não serves para isto. Toda a arte tem de ter uma boa dose de dor, caso contrário a mensagem não será absorvida por ninguém.

Existe algum conceito de alter-ego na prática desta música, ou pode dizer-se que o Pete Miles e o Pedro Lima sejam sempre a mesma pessoa?

Acho que o Pete Miles é mais sombrio, mais pessimista. É o meu lado derrotista e depressivo, aquele que se lembra de todas as coisas más que aconteceram, sobretudo na minha adolescência.

O disco está para breve e chama-se “10 Miles Into the Dark.” Que significado tem esse título e existirá algum conceito ao longo do álbum?

É a viagem a essa fase da minha vida que ficou durante muito tempo camuflada no meu subconsciente. A violência física e psicológica, o “bullying”, o refúgio nas drogas e no álcool, a frustração académica, etc. Embora nem todas as músicas falem exclusivamente sobre esse período, muitas delas têm como base essa premissa e como ela me moldou enquanto ser humano.

É regular e perfeitamente compreensível seres vocal em relação à indústria musical e ao facto de te sentires defraudado pela mesma. Isso muda a expectativa para o lançamento do álbum? Sentes-te como se estivesses em missão?

Não, a minha expectativa continua a mesma, ou seja, ZERO. Eu faço música porque me ajuda a exorcizar os meus fantasmas, mas se no processo ajudar alguém a fazer o mesmo, ainda melhor. A minha missão é continuar a ter meios económicos para lançar novos discos. Não pode nem deve ir para além disso, caso contrário a depressão está ao virar da esquina.

Os créditos deste disco têm currículos fortíssimos e associações a nomes de imenso reconhecimento. Achas que ajudará a dar notoriedade ao projecto?

São amigos meus, que eu respeito e admiro muito, e que eu sei que esse sentimento é recíproco. Não penso em nomes por causa da notoriedade, penso em pessoas que sei que melhor e mais rapidamente compreenderão onde quero chegar.

 

 

Reunidas as condições, Dark Miles é projecto de se levar aos palcos?

Fazer música sem tocar ao vivo é inconcebível, o “feedback” das pessoas é desavergonhadamente o combustível que nos faz querer ser ainda mais transparentes. Eu posso não ser dependente do público para criar, mas é estimulante sentir que há pessoas que se revêem no que escrevo e no que sou.

Já és um veterano dos palcos com os aclamados MOSH, que conseguiram conquistar a cena. Sentes algum saudosismo dos tempos? Vês a indústria musical daqueles tempos diferente da de hoje?

Tudo tem o seu tempo e a sua hora. Acho que os MOSH tiveram uma “morte” prematura e incompreensível, mas quando as coisas têm esse rumo é porque não era de facto a estrada certa. A indústria musical hoje em dia vive de “entertainers” e “influencers” e não de músicos, a música está em segundo plano e um dos grandes responsáveis pela falência dessa indústria é o TikTok. A incapacidade de os miúdos se concentrarem em mais do que 30 segundos de música, faz com que álbuns incríveis passem completamente despercebidos entre essa geração. Lembro-me de comprar vinis só porque a capa era gira, hoje em dia isso é impensável, porque é mais importante uma música medíocre que todos partilham do que aquele álbum incrível de uma banda que era “só nossa” e que rodava em “repeat” na nossa casa.

Com um primeiro trimestre preenchido de lançamentos, que expectativas ou desejos há para o resto de 2024?

O meu desejo é que as pessoas oiçam mais música feita com a alma e que tenham curiosidade em descobrir coisas novas, que não embarquem em movimentos de “rebanho” e tenham orgulho em ser “misfits”. Oiçam Dark Miles com atenção, leiam as letras, fechem os olhos e deixem-se levar nessa viagem, pode ser que reconheçam algumas das “paisagens”.


sobre o autor

Christopher Monteiro

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