Entrevista


Dream People

Sem tempo não se brinca. Se não se brincar nada se cria. E se nada se cria mais vale sermos todos pedras.


© Somewhere in the 90's

Dizia o poeta que o sonho era uma constante da vida – acrescente-se que é uma constante e comanda da vida de qualquer banda. E às vezes até lhes dá nome.

Os Dream People, a mais recente agremiação do dream pop nacional, andam num corrupio desde que foram fundados, mal há um ano. Da graduação na Escola do Rock de Paredes de Coura (curso de 2018) até aos concertos na capital – incluindo Super Bock em Stock e no MusicBox – foi um lampejo.

Têm passado os últimos meses a despir um dos seus dois primeiros EPs, apresentando-o sempre com videoclip, numa manifestação de que são mesmo comandados pelo sonho – mantendo sempre um certo enigma à sua volta. Ei-los aqui em conversa connosco, para que se desvende quem são, para onde vão e se o manager ainda é um felino ou não.

 

Quem são, de onde vêm e o que querem ser os Dream People?

 

Etimologicamente, Dream People (/drim/ /ˈpiːpl/) é o povo dos sonhos. Metaforicamente, pode ser muita coisa, ao gosto do freguês. Historicamente, nascemos quando o Francisco, o vocalista, decidiu pegar nas suas composições e reunir um bando de gajos competentes que lhes dessem vida. Foi ao Facebook e conheceu o Nuno, guitarrista. Compuseram juntos a primeira música, a Caroline, e com ela ganharam o concurso dos estúdios Namouche. Como que ciente de ser requerido, puff, apareceu o Bernardo.


Mais tarde juntaram-se o Chris (baixo) e o Bóris (bateria). E assim gravámos o nosso primeiro EP, Soft Violence. Vimos de uma terra bipolar, em que tanto se vêem céus suaves e pintados de pastel, como se atravessa caminhos áridos e tortuosos em que a cada contracurva somos arrebatados por saraivadas de puro rock. No futuro pretendemos continuar a explorar este nosso estranho mundo, sem quaisquer limitações ou espartilhos. Se nos apetecer fazer kraut, é exatamente isso que faremos.

 

No seguimento da primeira pergunta: em termos de sonoridade, a opção pelo dream pop deu-se desde o início ou havia outras ideias no ar? Quem vos influencia?

 

Nunca houve um momento em que reunimos as mãos ao alto e bradámos “vamos ser uma banda de dream pop!”. Gavetas são chatas e limitadoras. Queremos é fazer o que nos apetece. As nossas influências acabam por mostrar esta saudável falta de coerência, essa hiperatividade musical. Eis uma lista curta: Radiohead, Doors, Beach House, Psychedelic Furs, Joy Division, David Bowie, Jeff Buckley, entre muitas muitas outras. Com algum esforço – bastante – até encontram um pouco de UHF no nosso som.

 

Esteticamente, nos singles a que tivemos até agora direito, tivemos uma afeição pelo “pop” de dream pop. A vossa demanda é a do equilíbrio entre o onírico, à moda dos Cocteau Twins e dos Mazzy Star, e a pop ou é mesmo por um êxito de grande calibre? Forever, Too Long parece apontar naquele primeiro caminho.

 

Controverso: muito do que se faz hoje na arte em geral é emocionalmente superficial, sem alma. Só forma, pouca substância. Espuma. O nosso primeiro objetivo é, acima de tudo, encontrar uma dimensão mais substancial na nossa música. Queremos construir canções sinceras, profundas e que não sejam só uma coisa ou outra, que façam pensar, que iluminem simultaneamente os aspetos mais negros – como a tristeza, a perda, a juventude perdida – e mais bonitos da condição humana. Só os melhores conseguem atingir essa multidimensionalidade e nós somos meros iniciados neste mundo, mas é a isso que almejamos no futuro. Por agora, talvez nos encontremos neste mundo da música etérea. Se é pop ou não, interessa-nos pouco.

 

Em Putos de Portugal, até aqui a canção maior da banda, qual foi o objectivo (para além de comporem uma grande malha)? O de a cantar se criticar os costumes, o de se ouvir para pensar?

 

Putos… é fruto desta necessidade de não vermos só um lado de uma questão. Não queríamos que fosse só mais uma canção rock tuga a malhar nas gerações mais velhas e a vangloriar uma geração também ela cheia de defeitos, resignada e em grande medida igual a todas as outras. Não queremos ser hipócritas. Daí que sim, a Putos de Portugal, seja uma crítica a tudo e a todos: aos costumes, ao conformismo, à mediocridade e às certezas absolutas que adquirimos nas nossas imaculadas trips diárias por programas voyeuristas e reality shows estupidificantes que põem a nu esta generalizada falta de substância e imbecilidade.

 

Caroline? Ode a uma musa dos Dream People, uma Elegia do Amor de Teixeira de Pascoaes com um videoclip?

 

Caroline foi a nossa primeira canção, composta ainda nos primórdios de tudo. A Caroline não procura ser mais do que é: uma carta de amor simples e honesta, talvez em tons de lamento (mas um lamento contente) sobre a tal vulnerabilidade que Robin Williams tão bem explica em Good Will Hunting. A musa é a Carolina Correia, o grande amor do nosso vocalista.

 

Em Violent Show ouvimos muito uns Madrugada de Majesty. A vossa é uma viagem por todas sonoridades dentro do dream pop ou é mais uma incursão pelo desgosto e dúvidas do amor?

 

Também já nos disseram que soa a Air. Curiosamente, três pessoas, em contextos diferentes, dizem-nos que soamos, no geral, a Air. Porquê? Não sabemos…. Mas Madrugada é uma estreia! A inspiração da Violent Show vem daquele “whispered pop” suave de Sade e Rhye. Na verdade, o nome antigo da Violent Show era “Suave”, o que acaba provavelmente por refletir a música que o Francisco andava a ouvir na altura. O Bernardo e o Nuno trouxeram, como sempre, o seu toque especial. Ela é de facto uma incursão pelo desgosto e pela perda – temas que aparentemente nos são queridos – mas a saraivada de bateria à Phil Collins no fim da música mostra que a canção não quer ficar por aí. Mostra esperança, talvez. Emancipação. Como dissemos, podemos partir de temas relativamente comuns – perda e desgosto – mas tentamos sempre procurar algo mais.

 

O esforço de acompanharem cada single com um videoclip é assinalável. Servem os clips apenas para ilustrar a canção ou constituem um bloco, uma unidade em si mesma para ouvir, analisar e desfrutar, independentemente da sua inserção num EP?

 

É assinalável e cansativo. Mas enfim, já que não nos pretendemos categorizar no que toca a música, decidimos também fazer experiências em tudo o resto, nomeadamente no marketing: decidimos lançar o EP em singles até Fevereiro (apesar de a edição física já estar disponível) e acompanhar cada single de um vídeo que ilustre a energia de cada canção. Pode encontrar-se uma unidade, mas – por tudo isto ser logisticamente abstruso para uma banda nova e sem dinheiro – ela não é premeditada. Queríamos apenas transmitir visualmente a essência de cada música. No entanto, queremos que no futuro essa unidade apareça e que também tenhamos mais recursos e tempo para a fazer acontecer.

 

Os próximos lançamentos vão manter esta toada ou vamos ver e ouvir incursões pelo shoegaze ou pelo post-rock, dado o historial de membros como o Bernardo?

 

Deste primeiro EP faltam sair duas músicas: vistas deste lado, uma remete para Bowie (a sair no primeiro dia do ano) e a outra (a sair em Fevereiro) acaba por ser realmente um caldo de post-rock e uma espécie de psicadelismo shamânico-pagão. No fundo, um The End à portuguesa. Quanto ao segundo EP – que já está a ser cozinhado e será gravado já no fim de Janeiro – o buffet estende-se ao psych-pop dançável, ao folk-rock de Jeff Buckley e a algo que nos faz lembrar Gorillaz ou Kasabian mas que ainda não sabemos definir com exactidão.

 

Supergrupo de sonho de cada um. E guilty pleasures.

 

Supergrupo do Nuno: Aaron Dessner + Justin Vernon + Thom Yorke + Alexander Sowinsky
Supergrupo do Nuno Versão 2: Damon Albarn, Thom Yorke, Alexander Sowinsky, Thundercat

 

Guilty Pleasure do Francisco: Carpenters é um pleasure que não é nada guilty. Música de aquecer o coração do mais encarquilhado assassino de gatinhos. Além disso, a minha professora da primária punha nos a dançar Shakira durante as aulas. Desde então nutro alguma afeição pela colombiana.

 

O Gizmo ainda é o vosso manager ou há conflito entre o rumo da banda e a orientação de manager?

 

Ainda é e sempre será. Desde que o mantenhamos cheio de ternura e bem alimentado, para onde ele vai, nós seguiremos. No entanto, ele tem aparecido em mais fotos promocionais que o nosso baterista, o Bóris… E isso levanta amarguras e desconforto. Por isso apelamos aos media: O Bóris é o baterista, o Gizmo é o manager! Chega de confusões por favor!

 

Uma mensagem para as massas: as que vos ouvem e as que ainda não vos ouviram.

 

Massas que nos ouvem, obrigado! Massas que nos ouvirão, fazem muito bem! Além disso, não se deixem levar por modas. Sejam vocês próprios. Façam amor. Cuidem do corpo e da mente e arranjem tempo para o ócio. Sem tempo não se brinca. Se não se brincar nada se cria. E se nada se cria mais vale sermos todos pedras.


sobre o autor

José V. Raposo

Partilha com os teus amigos