Entrevista


Mário Lino (Museu do Heavy Metal Açoriano)

Torna-se engraçado e motivante receber feedbacks de ouvintes a dizer “nunca imaginei que houvesse tantas bandas nos Açores...”


Já são três volumes, é muita atenção que têm também por nós, aqui no continente. Até os mais atentos aos palcos pelo nosso underground fora serão capazes de reconhecer que é difícil ver algo das ilhas e entende o porquê. Aí levanta-se a questão: “mas afinal, o que existe por lá?”

Muita coisa boa, porque já nos deixaram ficar a saber. Mário Lino, mentor do projecto Museu do Heavy Metal Açoriano, teve a ideia de compilar o que de bom se fazia na música alternativa e pesada do arquipélago dos Açores, dá-la a conhecer e confirmar-nos a teoria de que deviam ser coisas de qualidade. O terceiro volume já está aí e o próprio Mário Lino desvenda-nos algumas questões em relação ao projecto, o seu sucesso e o seu futuro.

Já estamos na terceira edição da compilação “Azores & Metal,” o que é uma prova de sucesso e de que o promissor projeto realmente vale a pena. Olhando ao início, o que encorajou e inspirou a criação deste projeto?

Esta ideia e projeto teve, desde a primeira hora, a intenção e objetivo de destacar e revelar os valores (músicos e bandas) aqui das ilhas dos Açores. Foi quase como um grito ou uma prova de que eles existem e são capazes de muito bom som.

Para perceber e realmente sentir o seu total sentido, há que explicar o ponto da situação.

Atualmente, todos estes músicos e bandas estão a ser ignorados por completo pelos organizadores de eventos e de quem tem oportunidade de erguer um concerto ou espetáculo (refiro-me a organizadores de festivais, concertos, entidades municipais e qualquer animador cultural). Juntando a isso, não existem bares ou locais próprios para artistas deste género musical poder atuar. Como dá para imaginar, todos estes artistas estão “ostracizados” às suas garagens ou quartos onde constroem as suas músicas. Por isso tive a necessidade de criar este CD como forma física de exposição e fazer revelar estes valores de uma forma mais séria e com ar mais profissional.

 

 

Sentem que o reconhecimento continental e além tenha realmente aumentado com estes lançamentos?

Sim, sem dúvida. Através do “Azores & Metal,” este lote de artistas e bandas estão a fazer conhecer-se mais além, quer em referências em revistas e webzines, quer através dos seus sons a rodar em rádios por todos os continentes. E torna-se engraçado e motivante receber feedbacks de ouvintes a dizer “nunca imaginei que houvesse tantas bandas nos Açores…” , “conheço esta e aquela banda, mas não conhecia esta outra, gostei muito do som, existem há muito tempo? Têm mais temas ou trabalhos?…”

Só estas expressões são prova de grande reconhecimento e dever cumprido.

Também sentem que possam ter conseguido encorajar novas bandas jovens a aparecer, agora que vêem um veículo para se darem a conhecer?

O facto de já termos 3 CDs, e em todos eles haver sempre nomes novos, é prova disso. Todas as formas e vias de expressão e exposição são uma mais-valia, e são estes tipo de projetos que abrem uma porta para quem tem algo para mostrar e incentiva outros a também aproveitarem a oportunidade.

Se houver uma oportunidade, a malta aproveita. Se não houver formas de dar a conhecer ou revelar os trabalhos dos músicos, então é que nada surge ou evolui.

Considera-se um historiador do metal Açoriano? Ainda existe uma procura de atos do passado por descobrir?

De historiador nada tenho. Sou simplesmente um fã hiperactivo que faz a toda a força por revelar e partilhar com o mundo o que se fez por estas nove ilhas dos Açores e, claro, a apostar no que se está a fazer atualmente.

Quanto ao passado há muito ainda por revelar e partilhar, é tudo uma questão de encontrar provas e factos.

Muitas das vezes ninguém procura pelo passado, mas quando são apresentados factos do passado, então é aí que surge a surpresa , a curiosidade e o tema de conversa sobre a situação. Acho que podemos comparar a uma velha fotografia. Nós nunca estamos à procura de fotos… Mas se nos confrontam com uma foto de há dezenas de anos atrás, ficamos “chocados,” no bom sentido, com a visão e faz-nos um bem enorme rever a situação e perdemos um imenso tempo à volta da foto e da situação que a originou.

 

 

Como o panorama nacional em geral, também o Açoriano é variadíssimo e há de tudo. Mas existe algum factor que se possa dizer que todas as bandas tenham em comum? Alguma característica que possa tornar a “cena Açoriana” verdadeiramente distinta?

Acho que o facto de estarmos “isolados do mundo” (outcasts), a inspiração da nossa terra, a persistência e luta constante. 99% das vezes é uma luta que não leva a estrelato nenhum, mas que mesmo assim dá gozo e prazer em fazer o que tanto se gosta e ama. Acho que a garra e vontade de fazer algo ao melhor nível, que tente justificar o “salto” para fora das ilhas. No final, é só muito valorizado, mas não há meios de conseguir este salto.

Denominam-se como “Museu” e têm um estupendo arquivo online de descoberta de excelentes bandas e projetos. Há algum plano ou ambição de traduzi-lo para um espaço físico e até de dinamizar as atuações ao vivo no arquipélago?

Na realidade, não é nada viável a nível económico criar um museu físico. Isso exigia um espaço ou casa que acolhesse o material existente, mas não vejo isso ser possível nem a longo prazo.

Quanto a tentar dinamizar e criar oportunidades de atuações ao vivo, isso tenho lutado e procurado por oportunidades, mas tem sido muito complicado. Não existem bares ou casas de espetáculos específicas ou dedicadas a este género, por isso tem sido uma batalha inglória.

Têm recebido alguma atenção da imprensa regional. Vêem esse reconhecimento “além-underground” como vantajoso?

Como podem imaginar, ter grande atenção e destaque na imprensa não é fácil e instantâneo.

A imprensa só vê proveitoso e vantajoso dar espaço a temas como política, futebol e notícias sensacionalistas. Contudo existem algumas fontes onde felizmente consegui ter uma ligação de amizade com alguns jornalistas e estes são solidários e, sempre que têm uma oportunidade, conseguem dar algum destaque. Mas naquelas fontes de imprensa onde sou literalmente um estranho, toda a informação enviada passa ao lado.

Quanto às rádios, estas têm grelhas e géneros a seguir e respeitar, e só rodam o que é comercial e está em alta na concorrência (pastilha elástica), por isso dar rodagem aos sons mais extremos e ousados é um “tiro no pé” para elas.

Já sentem que, com o tempo, se conquistou uma posição um pouco mais passiva da vossa parte? Tanto de bandas locais a procurar-vos, assim como um maior interesse e procura continental a bater-vos à porta?

Corrigia a expressão “passiva” para “activa”. A partir do momento que lancei o Museu Heavy Metal Açoriano como fonte reveladora do que se fez e se está a fazer aqui no arquipélago, a curiosidade e interesse foi enorme por parte dos fãs do underground nacional. A malta não fazia ideia que havia aqui tantos talentos e tantos músicos a tentar criar muito bom heavy metal. Isto foi também um incentivo para os músicos locais que, tendo uma procura local muito fraca, ao saberem que do outro lado do mar existem tantos entusiastas e curiosos, foi sem dúvida um grande incentivo.

Tem sido muito entusiasmante ver quem tinha o CD #1 a fazer a coleção completa, e quem só agora conheceu o CD #3, tentar obter os anteriores. Isso mostra que o pessoal valoriza o trabalho dos nossos músicos e quer manter-se atualizado do que aqui se vai fazendo.

Três óptimas edições muito completas… É para haver mais? Que mais objectivos há a atingir com o Museu de Heavy Metal Açoriano no futuro?

Sim, se não surgir nada a contrariar, vou tentar em 2024 compilar um “Vol. #4.” Acho que o pessoal já está curioso por ver o que 2024 tem de novo.

Fora este projeto, vou tentar continuar a apostar nas bandas locais e tudo o que for possível criar ou lançar, vou tentar tornar real. Na verdade, estas são as formas mais reais e profissionais que as bandas têm de se afirmar e mostrar a sua existência… E assim a saga continua…

 


sobre o autor

Christopher Monteiro

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