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Consolidados por um percurso de vários anos e energia descarregada em palco, os Miss Lava chegam a 2020 como uma banda madura, certos de que “Doom Machine“, disco a ser editado a 15 de Janeiro, é fruto do trabalho árduo e do espírito certo para se fazer singrar.
Apesar da característica marca festiva da banda de Lisboa, foram mesmo alguns acontecimentos mais negros, como a indescritível perda de um filho, que mais influenciaram a concepção deste novo registo.
Mas ninguém melhor para nos explicar este novo grande disco que os próprios, nas vozes do vocalista Johnny Lee e do guitarrista K. Raffah.
“Doom Machine” deve ser o disco que estávamos todos a precisar após um período longo tão difícil. Funciona da mesma maneira para vocês que o escreveram e gravaram, como para quem o ouve?
Johnny: Acho que podemos dizer que “Doom Machine” é o disco que os Miss Lava estavam a precisar após um acontecimento trágico e que ganhou outra dimensão com esta pandemia. É um álbum para nos fazer pensar no nosso papel na humanidade. É um disco que nos diz muito e é difícil ter o distanciamento para afirmar que vai funcionar para quem o ouve. Resta-nos esperar que sim.
Com a incerteza actual em poder agendar algo, como é que uma banda tão formada em palco como os Miss Lava lida com isso?
Johnny: Infelizmente é uma realidade incontornável, que não nos permite fazer o que mais gostamos, que é tocar ao vivo, e com um álbum novo para promover ainda mais complicado se torna. Mas posso dizer que a forma como estamos a lidar com esta incerteza é aproveitar este tempo para preparar o lançamento com mais calma, estabelecer novos contactos e pensar em alternativas.
Já surgiram alguns contactos para 2021 e já temos algumas coisas agendadas, mas a incerteza vai estar sempre no ar até que toda a gente esteja vacinada e a Covid esteja controlada.
Estas circunstâncias inéditas actuais condicionaram de alguma forma a vossa forma de trabalhar, durante as gravações?
Raffah: As gravações do “Doom Machine” aconteceram entre Maio e Julho de 2019, bem antes de tudo isto acontecer. No início de Janeiro já tínhamos o “master” na mão. Os constrangimentos foram todos ao nível da edição. Juntamente com a nossa editora (Small Stone), tivemos de repensar a estratégia e datas do lançamento. O álbum era para ter saído entre Fevereiro e Março de 2020 e basicamente tivemos de adiar o seu lançamento quase um ano. Vai sair, finalmente, no dia 15 de Janeiro de 2021.
Já se contam três anos desde o EP “Dominant Rush.” Esse registo ainda pode funcionar como uma ponte transitória entre “Doom Machine” e “Sonic Debris” ou veem-no como um trabalho que se impõe à parte?
Johnny: O EP “Dominant Rush” para nós funciona como uma espécie de “satélite” do “Sonic Debris”. Foram quatro músicas gravadas na mesma sessão que o “Sonic Debris”, com excepção a algumas vozes que foram regravadas mais tarde, que propositadamente tirámos da tracklist do álbum. Achámos que, além de darem um EP coeso, não se enquadravam com o ambiente do álbum.
No novo álbum tentámos fazer o mesmo com 3 músicas, mas a editora preferiu lançar já, na versão digital e na versão em CD, como temas extra.
“Doom Machine” é descrito como o vosso disco mais intenso e salienta-se o psicadélico e recurso a interludes. Houve intenção de mudar um pouco a atmosfera e ambiente da vossa sonoridade ou tudo acontece naturalmente?
Raffah: Não foi pensado. Antes de começarmos a compor para este disco, falámos sobre fazer as coisas de forma diferente. O nosso tempo estava mais “contado”. Estávamos a promover o “Sonic Debris” e o “Dominant Rush”, cada um de nós foi pai em diferentes períodos, por isso às vezes passávamos temporadas a ensaiar e temporadas sem ensaiar. Tínhamos que conseguir aproveitar melhor o tempo em que estávamos juntos na sala de ensaios. O Ricardo começou a incentivar-nos a entrar nos ensaios e jammar o que quer que nos desse na telha. O mais puro possível, sem nada pré-concebido. E todos os ensaios gravávamos as jams. Gravámos tanta, mas tanta coisa. Acho que as melhores jams acabaram por evoluir, passaram a ser músicas e estão agora no “Doom Machine”. Outras ficaram como interlúdios, porque eram tão fortes, não saíam da nossa cabeça e viviam bem assim mesmo, pequenas passagens sonoras. Foi quase uma selecção natural se quiseres. E ouvindo o disco agora, acho que o som representa mais as emoções que vivíamos naqueles momentos em que estávamos a criar. Quando fomos gravar, tudo isso é amplificado, pois gravámos o instrumental ao vivo, tocando como tocamos nos ensaios e nos concertos. Nunca o tínhamos feito. Acho que tudo isso dá o vibe mais intenso e ao mesmo psicadélico.
Inevitável falar do acontecimento trágico que marcou a preparação deste disco… De que forma influenciou a sua escrita e como pode este álbum servir de suporte para lidar com algo tão inimaginável?
Raffah: A morte do António aconteceu a meio de tudo. Acho que nós todos ainda estamos a absorver a sua magnitude emocional, pelo que é difícil perceber a influência na escrita do disco. Ao mesmo tempo não deixa de ser óbvia. O “Sonic Debris” saiu, acho que em Maio de 2016. Logo a seguir nasceu a minha afilhada, filha do José Garcia. Em 2017, a minha esposa engravidou logo no início do ano. Passado pouco tempo a namorada do Ricardo também. Estávamos todos radiantes. Tanto amor, tanta beleza, tanta vida. Este contexto implicou uma menor disponibilidade para os ensaios. A composição era muito instintiva, sempre à base das jams, que absorviam, quase de forma umbilical, as nossas emoções. O António nasceu mesmo “no meio” desse processo. Esteve internado durante um mês e uma semana. Durante esse tempo, a linda filha do Ricardo nasceu no mesmo hospital que ele. Lembro de estar lá com o meu filho – nessa fase ele estava nos cuidados intermédios – e ir beber um café com o Ricardo, que tinha acabado de entrar e estava à espera que o chamassem para ver a filha. Passado dois dias eles foram todos para casa. Nós ficámos lá. O António ainda veio para casa uma semana e depois foi para as urgências da Estefânia. Nesse fim de semana negro no início de Dezembro, lembro-me de toda a banda estar lá comigo. E depois no funeral. Esse tipo de ligação já nunca mais se apaga. Ainda hoje sentimos o impacto do meu filho. Acho que muito do que ouvimos no “Doom Machine” tem a luz do António. Posso dizer que sinto sempre a energia do meu filho cada vez que oiço o disco. E acredito que o seu amor nos une a todos – família, amigos, banda e, espero eu, todos os ouvintes. É este o suporte que nos garante o “Doom Machine” – amor.
“Doom Machine” segue um tema do poder que todos nós temos de influenciar os nossos arredores e o destrutivo e perigoso que isso pode ser, certo? Consideram o “Doom Machine” mesmo um álbum conceptual? Quanto mais podem aprofundar sobre o seu tema e o que o inspirou?
Johnny: As nossas letras têm sempre margem para várias interpretações, mas diria que é por aí. Sentimos que somos todos peças de um motor que se alimenta de ódio, egos, ganância e com o nosso pensamento virado cada vez mais para o lucro e para o proveito próprio. Acreditamos que a humanidade se está a destruir pelas próprias mãos e que embora todos saibamos para onde estamos a caminhar, continuamos sem alterar comportamentos e a agir como se estivesse tudo bem, tanto a nível social como a nível dos recursos do planeta.
“Doom Machine” não é um álbum conceptual no sentido de que tem uma história do princípio ao fim, com personagens, etc., mas podemos dizer que as músicas falam de várias partes de uma máquina. E essa máquina somos NÓS.
Apesar das circunstâncias, do tema e da época em que vivemos, com a vivacidade da vossa música, consideram que “Doom Machine” ainda possa ser um disco optimista?
Johnny: Isso vai depender sempre de quem o ouve. No nosso caso, achamos que sim. “Doom Machine” é um álbum que abraça as mudanças, que levanta questões, que procura iluminar de alguma forma algumas consciências.
Para nós é um álbum com uma luz imensa, que brilha no meio de muita escuridão.
O disco é co-produzido com Miguel “Veg” Marques. O que levou a essa recruta e que rescaldo fazem dessa colaboração?
Raffah: Já há algum tempo que falávamos com o Vegeta sobre trabalharmos juntos. Mas por uma razão ou outra ainda não tinha acontecido. Desta vez, todas as estrelas se alinharam. E foi fantástico. Ele soube desafiar-nos e amplificar todo o nosso potencial. Sinceramente, é o disco do qual guardo as melhores memórias. Foi a primeira vez que gravámos o instrumental live, por exemplo. É um processo muito mais verdadeiro. Acaba por ser muito mais Miss Lava. O que tu ouves é como nós estamos nos ensaios ou nos concertos. Viver e partilhar as emoções do disco durante a gravação, na mesma sala que o José e o Ricardo, traz algo difícil de passar para as outras pessoas. Cada vez que oiço determinadas passagens, oiço memórias, tenho visões de excelentes momentos que passámos juntos. Gargalhadas, tensões, tudo. Depois, o trabalho que o Vegeta desenvolveu com o João na voz fez-nos dar um passo em frente. Estamos mesmo muito contentes com o trabalho de produção neste disco. Ainda por cima, a vibe do estúdio dele é tão reservada – estás a meia hora de casa, mas parece que estás noutro planeta, distante de tudo e com a paz de espírito necessária para canalizares a energia criativa que precisas para fazer a tua arte.
Já lá vão mais de dez anos desde que vos vimos a começar a partir tudo! Quais as principais diferenças que veem entre os Miss Lava de agora e os do “Blues for the Dangerous Miles”?
Johnny: O tempo passa a voar. Penso que os Miss Lava de agora são uma banda mais madura e experiente que os Miss Lava do “Blues for the Dangerous Miles”. São uma banda que se internacionalizou um pouco, tocou para mais gente, em melhores salas mas que, apesar disso tudo, não mudou assim tanto. Os Miss Lava continuam a escrever a música que gostam e a tentar chegar sempre a mais pessoas, sem querer agradar a ninguém em especial e a fazer amigos na estrada. Continuam a ter a mesma pica em tocar ao vivo, seja num festival para milhares de pessoas, numa sala para 100 pessoas ou até na nossa sala de ensaios para os nossos amigos. Os Miss Lava de agora continuam também com a mesma vontade de experimentar coisas novas. Penso que estes são pilares dos quais não abdicamos e enquanto for assim, podem contar connosco para pelo menos mais dez anos.
Desde então já construíram um legado pela estrada fora que muitas bandas nossas com certeza invejarão. O que aconselhariam a uma jovem banda para que tenha um alcance semelhante ao vosso?
Raffah: Quem somos nós para dar conselhos a alguém? (risos) O que podemos fazer é partilhar o que nós fizemos. Ensaiámos muito e fizemos muitas músicas antes de tocarmos ao vivo. Acho que foram uns dois anos. Quando começámos, tocávamos em todo o lado, com toda a gente. Chegámos a tocar ao vivo 3 vezes no mesmo dia durante uma mini-tour no Algarve. Cada vez que sobes ao palco, aprendes algo novo, passas por uma situação que nunca imaginaste, sentes algo diferente. E vais ganhando à vontade para expressar as tuas emoções e criar uma conexão verdadeira com o público. Ou seja, tocar o máximo possível. E sempre que fores fazer alguma coisa, faz com paixão e entrega. Não deixes nada ao acaso.
Já percorreram muitos lugares do mundo e partilharam o palco com lendas influentes. que diferenças apontariam na vossa mentalidade e no vosso sentimento em palco quando tocam em palcos de diferentes dimensões, nacionalidades e companhias?
Johnny: Como disse anteriormente, não importa qual é o dimensão do concerto, que a entrega, a adrenalina e o prazer de tocar está lá sempre. Agora, estaria a mentir se dissesse que é a mesma coisa, sentir o calor de milhares de pessoas ou o calor de dezenas.
Tocar para muita gente é uma sensação fantástica, especialmente se sentes que agarraste o público, assim como partilhar o palco com lendas como o Slash ou os Queens of the Stone Age é algo de inesquecível, mas também posso dizer que alguns dos nossos concertos mais memoráveis foram para poucas dezenas de pessoas onde partilhámos o palco com bandas amigas. Acho que a nossa atitude em palco é que vai definir se vai ser ou não um bom gig.
E ao fim destes anos e de um legado já construído, o que ainda resta na “bucket list” dos Miss Lava?
Raffah: Tantas coisas… a primeira coisa é logo o quinto longa-duração! Depois, uma tour europeia, australiana, norte-americana, asiática, sul-americana, mundial? Viver da música?! Who knows?