Entrevista


Nothing

Há sempre uma progressão mas nunca perdemos a receita imediata do que fazemos, porque há-de lá estar provavelmente para sempre...


© Jimmy Hubbard

Os Nothing são um projecto americano que se deu a conhecer ao mundo com o seu disco Guilty of Everything, em 2014. Lançaram-se na editora Relapse Records, casa de sonoridades mais extremas, e dois anos depois chegou Tired of Tomorrow, um segundo trabalho na mesma senda de rock lento e lacónico, devedor óbvio ao shoegaze na conjugação das guitarras, mas ainda à depressão urbana tão característica da década de 90, do grunge e do emo. Estes são termos que ajudam a descrever tanto a música como as letras do seu vocalista Dominic Palermo, mais um homem com dificuldades em lidar com o mundo imediato, que considera a sua terra natal de Philadelphia, perto de Nova Iorque, como um “shithole”, e teve, ainda antes de formar os Nothing, encarcerado na prisão americana por agressão grave e tentativa de homicídio. Poucas são as coisas que lhe parecem correr bem, na vida em geral, mas recebeu-me de forma muito simpática no backstage do Festival Vodafone Paredes de Coura, para uma curta mas elucidativa conversa.

Suponho que a gravação do primeiro disco tenha sido mais fácil que o segundo?

Hum…não necessariamente. Houve prós e contras em ambos, sem dúvida. No primeiro disco não tínhamos o estúdio do segundo, era uma espécie de versão merdosa quando comparado. Muito menos profissional – era tipo gravar um dia, estar fora três dias, depois voltar dois dias e não voltar durante duas semanas. No segundo disco, estivemos no estúdio durante um mês seguido, apenas com os sábados de folga. E por outro lado, estivemos longe de casa, enquanto que no primeiro estávamos mais perto. E então, há vantages e desvantagens para tudo isto, mais o que estava a acontecer na altura, aquele ciclo do Tired of Tomorrow e toda aquela chatice…

Sim, criou-se um caso enorme…

sim, mas não vou falar disso outra vez.

[o isso a que se refere Domenic passou-se antes do lançamento do segundo disco, enquanto os Nothing preparavam o seu lançamento. A editora pela qual tinham assinado, Collect, tinha ligações financeiras com Martin Shkreli, uma persona mediática americana que é conhecida pela sua extravagância e moral questionável: comprou a patente de um medicamento destinado a seropositivos e aumentou o seu preço em cerca de 70%, e na indústria musical é conhecido por tornar refém um disco exclusivo dos Wu-Tang Clan, depois de alegadamente ter pago mais de um milhão de dólares pelos direitos (mas essa é uma outra história). Posto isto, as acções de Shkreli não caíram bem com Domenic e este forçou a saída da Collect, para voltar à Relapse Records.]

Vi um documentário sobre isso – donde surgiu? Foi uma necessidade de explicar o que se passou?

Não foi de propósito…andávamos a filmar com o Don e íamos fazer uma cena de dois ou três minutos que a Relapse [editora] queria que fizéssemos, mas o Don – ele continuou a filmar, e aparecia quando tudo o resto estava a acontecer. Então, como um verdadeiro documentarista, decidiu ser persistente e continuar com as entrevistas e ficar perto de certas coisas. Acabou por sair muito mais longo do que estávamos à espera.

Gostas de como ficou?

Quer dizer, é fixe. O trabalho dele é muito bom. Mas é difícil para mim ver-me a falar de alguma coisa, e nunca poderia ver aquela merda. Sei que foi feito com gosto, e ele é um tipo muito talentoso e sei que está bom – mas simplesmente detesto ouvir-me falar.

A dada altura do lançamento do segundo disco, numa declaração que não consigo precisar, um dos músicos negou a associação ao shoegaze. Donde vem isto?

Eu não penso que alguma vez tivemos letras de shoegaze. Acho que sempre tivemos a nossa própria cena – pelo menos eu tinha – pelo menos no que toca ao lado das letras. Não consigo pensar em nenhuma banda de shoegaze cujas letras alguma vez pensei serem boas, desde sempre. Quanto à música, acho que simplesmente ficámos fartos do termo. Há tantas bandas que vêm daquela altura quando o shoegaze era uma grande novidade para muitos miúdos de 20 anos que pensavam que os Title Fighter ou os Pity Sex eram bandas de shoegaze, ou algo como as cenas da Run For Cover [uma editora], e tipo…nós estávamos lá a tentar imitar as bandas a sério, e não penso sequer que esses gajos saibam quem estão a tentar imitar. E de repente, ficou apenas uma cena preguiçosa para os jornalistas tentarem descrever as bandas para que vendam discos ou o que quer que seja que eles querem fazer – e nós de certa forma deixámos de querer estar envolvidos com algo desse género. Acho que foi mais isto que aconteceu. Porque em relação à música, não mudámos nada. Há sempre uma progressão mas nunca perdemos a receita imediata do que fazemos, porque há-de lá estar provavelmente para sempre…

…ou quanto tempo isto durar.


sobre o autor

Alexandre Junior

Interesso-me por muitas coisas. Estudo matemática, faço rádio, leio e vou escrevendo sobre fascínios. E assim o tempo passa. (Ver mais artigos)

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