Entrevista


Suave

É a dinâmica externa que molda o ímpeto pessoal.


© Vera Marmelo

Não sabemos se ao falarmos de Carlos Ramos a percepção é imediata mas, se calhar, se falarmos de Nick Nicotine e, agora, de Nick Suave, a história poderá ser outra. Criado na fumarenta e cinzenta cidade do Barreiro dos anos 80, a música teve desde cedo um espaço especial no seu coração, fazendo com que se tenha dividido deste então entre voz, guitarra, baixo e bateria em dezenas de bandas, ao mesmo tempo que dirige um dos mais antigos e carismáticos festivais portugueses, o Barreiro Rocks e comanda o Estúdio King, no Barreiro, local de onde saem alguns dos melhores discos de rock’n’roll da última década.

Mais recentemente edita o seu novo disco “Português Suave” (já aqui explicado faixa a faixa pelo próprio), o primeiro sob o pseudónimo Nick Suave e totalmente cantado em português, que nos leva a esta conversa.

Olá, desde já obrigado por responderes às nossas perguntas! Acho que é seguro dizer que és um apaixonado pela música, como é que começou esta longa relação?

Olá, eu é que agradeço o convite e a atenção! A música foi o meu primeiro grande amor. Quando era puto, mesmo muito puto, antes de entrar para a primária, não frequentei pré-primária – isso era coisa de pessoal com um pouco mais de dinheiro – ficava em casa com a minha mãe e aquilo que me entretia era ouvir discos. Fazendo fast-forward, uns anos depois começo a interessar-me por tocar piano e depois guitarra e, já perto dos 17 a bateria. É nessa altura que começo a escrever canções.

Na tua apresentação podemos ler que foste criado na fumarenta e cinzenta cidade do Barreiro dos anos 80. De que forma é que esta ajudou a moldar/inspirar aquilo que és enquanto músico?

Alguma coisa há-de ter feito, nunca saí daqui mas não sei precisar de que forma é que me moldou. Penso que estar exposto a uma série de boas bandas como os Gasoleene, os Toast e, principalmente, os Unladylike Scream tenha sido o fósforo aceso que fez com que este bidão de gasolina pegasse fogo. Também é uma cidade com um movimento associativo muito grande, com muitas colectividades e bares que permitiam que hordas de jovens nos anos 90 se conhecessem e partilhassem ideias e música. Toda essa vivência teve impacto na forma como aprendi a fazer algumas coisas. É a dinâmica externa que molda o ímpeto pessoal. Provavelmente essa parte pessoal teria sido moldada numa outra forma tivesse crescido noutra parte do país, mas penso que seria sempre músico.

Sentes que deves algo à cidade? Se calhar “dever” é uma palavra muito forte mas pergunto-te isto sendo tu uma força dinamizadora da cena musical do Barreiro. Não só pela editora e o estúdio que fundaste, mas principalmente pelo Barreiro Rocks, festival que geres desde 2000 e que ano após ano consolida o seu estatuto de culto no panorama rock. Será que o festival fora do Barreiro poderia fazer mais sucesso e chegar a mais gente ou simplesmente esse carisma que lhe é associado está intrisecamente ligado à cidade e à sua população?

Não, credo. A cidade, a meu ver, são as pessoas que lá vivem. Cada uma desempenha um papel preponderante: dos criadores às pessoas que são público nos eventos. Ninguém deve nada a ninguém porque, teoricamente, fazemos todos o que queremos e sabemos fazer. Eu pelo menos não sinto que deva nada nem que a cidade me deva algo – este tipo de relação não funciona assim. Teve de existir uma leitura do que podia acontecer nesta cidade, pela nossa parte, ao começarmos a fazer os eventos da Hey, Pachuco. Ou seja, sempre funcionámos preenchendo os espaços em branco, tentando dar aquilo que ainda não existe, desde que faça sentido no nosso ethos. Penso que a razão principal para a longevidade dos nossos projectos tem a ver com esta dinâmica real, verdadeira, pura. É impossível responder à última parte da questão – para nós e para a cidade fez sentido fazer o festival aqui, quando não existia nada e continuamos a achar que faz sentido a sua existência aqui. Ninguém deve nada a ninguém, é um trabalho que se consolida naturalmente, feito entre todos – agentes culturais e cidade – com ganhos para ambos os lados.

Tens desempenhado vários papéis ao longo da tua carreira. Já mencionámos a editora que fundaste, o estúdio que abriste, o teu papel de diretor de um festival e, temos na base de tudo, os teus inúmeros projectos musicais, onde te vais ainda dividindo pela voz, guitarra, baixo e bateria. Como é conjugar todas estas vertentes e onde é que te sentes mais confortável?

Sinto-me mais confortável fazendo tudo. O que seria desconfortável para mim seria desligar-me totalmente de alguma dessas funções. Aborreço-me facilmente se estiver confinado a uma só função, a um só projecto durante muito tempo.

Editaste no passado mês de Abril um novo disco. “Português Suave” é não só o teu primeiro trabalho cantado em português como também o primeiro sob o nome Nick Suave. Como é que foi esta transição e quais foram as maiores dificuldades que encontraste?

Foi uma transição feita ao longo de algum tempo, já tinha estas canções prontas há uns anos. No passado havia gravado um ou dois temas da Nicotine’s Orchestra em português e isso, juntamente com o compasso de espera entre a composição e a gravação / edição do disco, deu-me tempo para ir ajustando as baínhas no fato deste novo personagem. Não diria que tenha havido uma dificuldade maior mas houve um obstáculo que eu via como sendo enorme e que, depois de me aproximar, percebi que o ultrapassava na boa. O facto de cantar em português deixa-te mais exposto, reparas que as pessoas percebem imediatamente o que dizes e isso, para um gajo que andava há 20 anos a cantar em inglês, com a protecção de uma língua estrangeira, pode tornar-se num bicho de sete cabeças. No entanto, rapidamente passei a divertir-me com o processo de composição e comecei a ter muitas mais ideias em português. Até aqui, o chip do português só entrava em acção quando queria ter ideias para os Bro-X (que, na realidade, nem cantam em português, têm uma língua própria).

Apesar deste ser o primeiro da tua lista interpretado na língua de Camões, no geral ela é vasta, sendo o 57º álbum da tua carreira. São mesmo cinquenta e sete ou é uma estimativa por baixo? 🙂

Acho que são 60, sendo que já tenho um novo para Suave quase acabado de compôr. Já vos disse que me divirto à brava a fazer música?

Neste disco acompanhou-te uma dream team composta pelo Fred Ferreira na bateria, o Cláudio Fernandes no baixo e o Ernesto Vitali na guitarra. Como é que foi o processo de criação e gravação do disco? Eles tiveram envolvidos desde o início ou já tinhas as ideias definidas de como tudo deveria soar e eles depois construíram em cima disso?

O processo de composição deste disco foi muito semelhante ao da Nicotine’s Orchestra (eles também são uma das formações da Orchestra, já estavam habituados). Gravei todos os temas em demo no meu estúdio, passei-os aos meus amigos e depois fomos para estúdio gravar. Há sempre alterações na maneira de tocar, claro – essa é a melhor parte de tocares com pessoal amigo em quem tens toda a confiança de que falam a mesma linguagem musical.

Apontas directamente ao coração em “Português Suave“. Este é um disco para os apaixonados, para os desapaixonados ou para ambos?

É um disco para toda a gente. Tentei escrever canções que fossem muito directas, em português bastante suave, sobre várias histórias de amor e desamor. Acho que cai bem a quem está apaixonado pelo seu lado comemorativo e festivo e também poderá ajudar quem está mal do coração a sorrir um pouco. Nunca deixem de acreditar, gatinhos.

Depois das primeiras datas de apresentação do disco, onde é que vos poderemos encontrar ao vivo nos próximos meses?

Para já temos um concerto em Coimbra no dia 28 de Julho, na Tabacaria do Teatrão. Entretanto, o ideal será irem dando uma olhada nas nossas redes sociais. Vamos comunicando por lá.


sobre o autor

Hugo Rodrigues

Multi-tasker no Arte-Factos. Ex-Director de Informação no Offbeatz e Ex-Spammer na Nervos. Disse coisas e passou música no programa Contrabando da Rádio Zero. (Ver mais artigos)

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