Entrevista


Tomara

Este disco é esse passo. É um passo pessoal. É a sublimação de muitos dos meus maiores medos.


© Estelle Valente

Há coisas que na vida são uma constante. Para Filipe Monteiro uma delas será a música, fiel companheira desde tenra idade, levou-o a ser músico de estúdio e ao vivo e a trabalhar com diversas bandas ao longo da sua carreira. Em 2017 quebra o ciclo que se iniciou em 2011, com os primeiros esboços daquele que viria a ser o seu primeiro trabalho a solo. “Favourite Ghost” é o passo em frente que dá enquanto Tomara, pseudónimo escolhido para o acompanhar nesta nova fase da sua vida, e o mote para esta conversa.

Pelo que pude ler sobre ti apercebo-me que a música sempre foi uma parte importante da tua vida. Lembras-te como essa paixão nasceu?

Não me recordo exactamente desse momento porque era tão novo que acho que nem dei por isso. Mas lembro-me perfeitamente da primeira vez que dei um acorde numa guitarra (eu comecei por aprender piano) e percebi que seria uma companheira para toda a vida.

Depois da passagem por várias bandas, como músico de estúdio e ao vivo, lanças-te a solo com um projecto só teu. Como é que surge o alter-ego TOMARA e de que forma é que ele se funde contigo?

O nome foi sugerido pela Márcia, a minha mulher. É uma palavra de que gosto mesmo muito, talvez por transmitir uma ideia de desejo ou esperança por algo de bom, positivo; e eu revejo-me nisso. Mas não deixo de ser Eu por usar esse nome. Simplesmente sou eu, liberto dos constrangimentos que a vida quotidiana nos traz. E é essa mesma liberdade que me permite criar e escrever, por vezes, sobre esses mesmos constrangimentos ou contrariedades.

Dado o passo em frente de te lançares a solo estreias-te agora com o álbum “Favourite Ghost”. Qual é a sensação de editares um trabalho a solo e que inevitavelmente acaba por ser mais pessoal?

Neste momento é uma sensação de enorme satisfação por ver este percurso terminado. E poder começar outros. O disco levou muito tempo a ficar pronto. Tive de lhe dar esse tempo e também tive de me dar esse Tempo. O disco é de facto muito pessoal e exigiu que eu me demorasse sobre ele, que amadurecesse muita coisa antes de lhe poder dar vida e expô-lo assim.

Nas músicas deste álbum abordas algumas vezes a temática do medo ou do receio que a maioria de nós acaba por ter na vida de arriscar e talvez sair da sua zona de conforto. Estes temas acabam por ser também uma maneira de enfrentares estes desafios de frente e de olhando para trás perceberes que “valeu a pena”?

Este disco é esse passo. É um passo pessoal. É a sublimação de muitos dos meus maiores medos. E ao mesmo tempo é uma celebração do lugar onde me encontro agora, na minha Casa, junto da família que foi crescendo a passo com o disco.

Imagino que o teu background não só de músico mas também de produtor tenha ajudado bastante na forma como trabalhaste este disco. Como é que foi todo o processo de escrita, gravação e de pensar como editar “Favourite Ghost”?

Foi solitário, talvez até demais. Como durante muito tempo não soube se iria ou não terminar o disco, ou se uma vez terminado o iria ou não editar, tive pudor em envolver outras pessoas. Não queria assumir esse compromisso. Ou não queria que outros assumissem comigo um compromisso que eu duvidava que podia cumprir. Por isso o facto de eu saber tocar vários instrumentos ajudou muito. Permitiu-me ir gravando tudo passo a passo. Depois quando ganhei mais confiança no que estava a gravar resolvi fazer as coisas mais “a serio”; fui gravar as baterias ao Porto, com a Inês Lamares no Cabriolet Music Studio, e depois as vozes, os metais e as cordas no Golden Pony em Lisboa com o Eduardo Vinhas que também misturou o disco comigo. Só quando tudo ficou pronto é que pensei na hipótese de editar e de como o fazer. Acabei por optar fazer Edição de Autor porque acho que era o que fazia mais sentido com o disco que tinha em mãos.

Mas foi um processo muito longo, que demorou cerca de 6 anos. Comecei a gravar os primeiros esboços em 2011. Durante uns dois anos a minha ideia era fazer um disco só instrumental; talvez depois fizesse filmes para esses intrumentais – era essa a ideia inicial. Mas entretanto, com o passar do tempo e com as interrupções que tive de fazer quer pelo nascimento da minha primeira filha quer pelo trabalho nos dois discos da Márcia que gravámos neste período, as canções foram surgindo. Apareceram melodias e palavras cantadas em cima de alguns dos instrumentais que tinha. E já não as podia negar, não as podia esquecer. Então tive de procurar forma de as cantar, de encontrar a minha voz nessas canções. E isso demorou o tempo que foi preciso.

Trabalhas igualmente com vídeo, isso faz com que esta componente mais visual seja importante no imaginário de TOMARA?

O Joaquim Albergaria, no programa O DISCO DISSE da Antena3 sobre o “Favourite Ghost”, disse, às tantas, que eu faço música com os olhos. E acho que é isso mesmo. Eu não o conseguiria sintetizar tão bem.

O vídeo de “Coffee and Toast” ficou a teu cargo e passaste o testemunho para a Joana Linda no segundo single “For No Reason”. Ficaste satisfeito com a visão que ela captou para a música?

Muito satisfeito. Não só pelo resultado (que sendo a Joana a realizar era garantido) mas por acrescentar uma visão aquela canção que não é a minha. E isso faz com que o universo imagético da canção se expanda. Se fosse eu a realizá-lo iria provavelmente “trancar” o significado da canção com as minhas próprias impressões sobre ela. E isso seria redutor. Acho mais interessante assim. E é minha profunda intenção que o projecto TOMARA se torne cada vez mais colaborativo. A solidão criativa que existiu até agora não é uma bandeira do projecto, mas antes uma condição necessária para que este primeiro disco existisse.

No Faixa a Faixa que nos elaboraste revelas que a Márcia foi uma das primeiras pessoas a dizer-te que tinhas que fazer um disco e, em “House”, contas com a sua ajuda nas vozes. Imaginaste naquela altura que seria esse o desfecho para este tema?

Não. O facto mais curioso em relação à “House” é que é a canção mais antiga de todas. Já a cantava para mim há mais de 10 anos. E era uma canção sobretudo de lamento. A minha vida mudou tanto nos últimos 6 anos que essa mesma canção surge agora no disco como uma canção de reconhecimento e comunhão. Daí a presença da Márcia ser indispensável. Ela teria de estar presente no disco de alguma forma.

Com o disco editado tens já planos para o apresentar ao vivo? Onde é que te poderemos encontrar em breve?

Tenho muitos planos. Mas ainda nada que possa ser anunciado. Estou a preparar as coisas com calma, tal como fiz o disco. Mas acho que em breve terei notícias para dar a esse respeito.


sobre o autor

Hugo Rodrigues

Multi-tasker no Arte-Factos. Ex-Director de Informação no Offbeatz e Ex-Spammer na Nervos. Disse coisas e passou música no programa Contrabando da Rádio Zero. (Ver mais artigos)

Partilha com os teus amigos