Entrevista


Stoned Jesus

Não estamos a dizer “Matem os Russos!” mas sim “Lutem contra as mentiras!”


© Natalia Adequate

Com um “The Harvest” já a fazer as delícias a imensos fãs de stoner rock e não só, cá se espera a primeira visita deste grupo Ucraniano ao nosso país ali pelos lados do Cartaxo para o Reverence Valada. Enquanto se aguarda essa tão antecipada estreia, o sempre simpático e bem humorado Igor Sydorenko respondeu-nos a algumas questões em relação ao disco, à sua futura visita a Portugal, às barreiras de género e até um pouco sobre a conturbada questão política da Ucrânia.

The Harvest é mais um álbum espectacular e vocês não sabem como desapontar. Como foi o processo de gravação para este novo disco que continua a mostrar progresso e evolução no som dos Stoned Jesus?
Hey, daqui é o Igor, muito obrigado pelas tuas simpáticas palavras! Bem, o processo de gravação para o “The Harvest” foi o mais longo e ocupado que tivemos até agora: 15 meses de empregos diurnos, ensaios, viajar, gravar, editar, zangar-nos uns com os outros e por aí fora. Esta é a primeira vez que estivemos a trabalhar com um produtor/engenheiro de som e o Sergey – Revet Sound – claramente tinha outra visão de como o “The Harvest” devia soar. Mas quanto mais trabalhávamos juntos mais fácil se tornava – acredito que fizemos toda a “Black Church” em menos tempo que o que gastámos a misturar a “Here Come the Robots” só! Adoro o resultado, soa tão massivo, tão agressivo, tão maduro… Na verdade, o “The Harvest” é o único álbum de Stoned Jesus que eu consigo ouvir.

Quão consciente foi a abordagem mais directa das canções e a sua incorporação em composições mais longas e complexas?
Bem, não o esperava, para ser totalmente honesto. A ideia inicial para o “The Harvest” era fazer um disco de art rock, muito sofisticado e com várias camadas, sabes? Até o próprio título é uma homenagem àquela velha editora Britânica de prog dos sessentas/setentas. Mas depois toda a cena da guerra/revolução começou a acontecer no nosso país e toda a atmosfera mudou drasticamente. Não tocamos o que não sentimos, somos bastante honestos com o que fazemos, logo trouxemos de volta algumas canções mais rápidas e curtas para as nossas setlists – aquelas em que tínhamos trabalhado em 2012 – porque são perfeitas para te passares dos carretos e enlouqueceres. Aquele velho lamento doomy da “Rituals of the Sun” serviu como um interlúdio natural entre os balanços de humor, portanto deixamos ficar assim. E assim de repente, ali estava o alinhamento do “The Harvest”!

Sentiram alguma pressão especial por seguir o criticamente aclamado “Seven Thunders Roar”?
O mais engraçado é que nem houve qualquer aclamação na altura, logo quando “I’m the Mountain” alcançou um milhão de visualizações no YouTube, nós ficámos “malta, onde estavam todos em 2012?” Quando “Seven Thunders Roar” foi lançado, literalmente ninguém dava um chavo por ele. Nós próprios marcámos a digressão, tocámos por comida e dinheiro para gasolina e nunca chegámos às listas de “Álbuns do Ano” de ninguém. Posso soar cínico, mas falemos de aclamação quando eu comprar ao menos um raio de um amplificador com direitos autorais do “Seven Thunders Roar”! Este é o século XXI, meu – converter hype em dinheiro já não é fácil.

Então ao ver o “Seven Thunders Roar” a ganhar um estatuto de culto para um certo grupo de pessoas, fiquei um pouco desiludido com a recepção que o “The Harvest” teve há meio ano. Avisámos toda a gente que não haveria uma “Black Woods” ou uma “I’m the Mountain” neste, mas ainda houve uma frieza notável, com toda aquela treta de “viraram Foo Fighters agora”. Fico contente por muitos fãs terem gostado na mesma e daí para a frente foi sempre a subir – temos tido críticas muito boas ultimamente! Mas lá está, boas críticas não significam digressões esgotadas com grandes nomes ou a ter um bom espaço no alinhamento de um festival lendário, percebes?

Acho que isto é uma questão de impressão maioritariamente, quando pessoas conhecem o que gostam e gostam do que conhecem. Quando és um autor, não pensas propriamente no público, simplesmente fazes o que gostas, sem te aperceberes que podes estar a milhas de distância do que os teus fãs aprovam. Nos géneros tão conservadores como o stoner rock ou o doom metal pode causar resultados desastrosos mas, lá está, nunca quisemos ser os meninos bonitos de um género. Para quê tocar um género quando podes tocar música?

©Viktor Vitamin

Podes falar um pouco sobre o tema político/social das letras, especialmente numa faixa como a “YFS”?
Claro. Nunca fomos uma banda política, logo esta é basicamente a única faixa a lidar com toda a situação Russa-Ucraniana directamente – mesmo que as restantes faixas estejam de alguma forma ligadas ao problema, em termos líricos ou sonoros. Escrevi a letra em 10 ou 15 minutos após assistir a mais um anúncio de propaganda pró-Putin em algum canal de TV Russo. Esta é a música sobre as mentiras, a manipulação e a guerra, e que tocamos em todos os concertos para espalhar a mensagem. Não estamos a dizer “Matem os Russos!” mas sim “Lutem contra as mentiras!”

Têm uma descrição de género hilariante na vossa página de Facebook. Acreditas que a vossa música não deva ter um rótulo específico que toda a gente procura sempre?
Nunca tive nada contra géneros, até tenho este projecto chamado Arlekin, onde tento recriar a abordagem clássica da cena neo-prog Britânica – Marillion, IQ, entre outros. Apenas se torna muito mau e chato com todas essas classificações, sabes? Claro que adorávamos ser únicos, mas há certos detalhes no nosso som, nas nossas harmonias, nas nossas estruturas, que fazem pessoas pensar que tocamos isto ou tocamos aquilo. Torna-lhes a vida mais fácil, mas ao mesmo tempo impede-os de ir mais fundo.

Simplesmente sei que, para muitas pessoas, seria mais ideal caracterizar Stoned Jesus como “stoner rock” em vez de partir para “prog com rock alternativo com doom metal com psicadélico, etc” especialmente quando tens maus exemplos de rock progressivo e alternativo por todo o lado. Sou menos analítico em relação a isso agora, continuo a dizer a mim mesmo que todas as grandes bandas foram mal caracterizadas – ou simplesmente estavam bem a cagar-se para serem definidas de todo. Isto posto, a etiqueta “hipstoner” assenta-nos perfeitamente, visto que para puristas do género somos demasiado modernos/experimentais, leia-se poseurs, leia-se wannabes, leia-se maus.

Também já vi a sermos descritos como “post-stoner” num website uma vez, com Elder e Mars Red Sky a servir como bandas relacionadas para este subgénero recém-nascido. Com artistas semelhantes deste alcance, sou completamente a favor!

Já revelaram em entrevistas passadas que todos têm gostos musicais bastante ecléticos e variados. Achas que serão capazes de inserir mais dessas diferentes influências na sonoridade dos Stoned Jesus?
Seria mesmo estúpido e previsível apenas retraduzir as ideias de outra pessoa, não seria? Com toda a honestidade, isso é algo que tento evitar ao máximo enquanto trabalho em canções dos Stoned Jesus. Curto bastante os novos de A Forest of Stars, My Morning Jacket e da FKA twigs, mas isto não devia significar que o próximo álbum de Stoned Jesus será de “blackened alt-country R&B com blastbeats psicadélicos”. A melhor maneira é torcer todas essas inspirações para alguma espécie de experiência que te ajude a continuar. Como quando digo que a “Wound” foi fortemente influenciada por Pearl Jam e Rage Against the Machine, ninguém acredita em mim! E que tal um pouco de Swans na “Black Church”, não notaste? Então sim, adoro ser inspirado pela arte das outras pessoas , mas sou dos que se alimenta de emoções e não dos que roubam riffs.

Como é que este line-up mais recente tem trabalhado nesta última fase?
Conheces a banda Purson? Eles têm esta cantiga bonita chamada “Well Spoiled Machine”. Acho que estamos ambos bem oleados e bem deteriorados em medidas iguais!

Não existem muitas bandas Ucranianas bem reconhecidas internacionalmente mas vocês têm sucedido bem. Vês o factor geográfico como um obstáculo ou um desafio?
Até certo ponto, sim. Podes perguntar o mesmo aos gajos dos Moonspell. Por falar em sair-se bem, tenho a certeza que o segredo do nosso sucesso é uma combinação de boas canções, digressões frequentes, base de fãs dedicada e promoção DIY inteligente. Somos ainda uma banda em luta, perdemos muito nesses voos e carrinhas com backline alugadas, mas veremos se isso muda em breve.

©Natalia Adequate

Achas que a Ucrânia tem uma cena musical com potencial para se tornar globalmente conhecida?
Eu não odeio géneros – apenas prefiro bandas aos géneros. O mesmo aplica-se aos países – por exemplo, eu ainda não desisti de nenhuma banda Russa só por ser da Rússia. Portanto não vou delirar sobre o quão única é a cena Ucraniana, apesar de existirem umas bandas bem fixes. Apenas gostava que algumas delas tivessem mais entusiasmo e colocassem um pouco mais de esforço naquilo que fazem.

Como tem sido a tour até agora e que tipo de experiências já tiveram?
Tocámos 24 concertos em menos de um mês nesta Primavera – a viagem mais longa que tivemos até então, e sem dúvida a mais dura, a mais difícil e a mais exaustiva. Perdi a voz um par de vezes, perdi o meu iPhone, o meu regime de dieta, mas a experiência que recebi e aprendi em troca não tem preço. Primeiro de tudo, não faças tour durante tanto tempo sem fazer uma pausa, seu imbecil! Sentimo-nos muito melhores em Abril e Maio quando fizemos séries curtas de 5-6 dias de folga em casa, mesmo que nos custasse uns voos extras e assim. Afinal, choramingar sobre qualquer inconveniência seria simplesmente injusto quando estás a assinar um vinil para uma criança que ainda está por nascer. Momentos como este enchem tudo de significado.

Visitarão Portugal pela primeira vez como parte do festival Reverence Valada. Quais são as vossas expectativas para a primeira visita e para o festival?
No Verão passado ficamos pasmados com a Grécia; esta Primavera descobrimos a Espanha; Estou certo de que as plateias em Portugal são loucas à sua maneira, mas o nível de apreciação a bordar o histerismo é similar por todo o Sul da Europa pelo que temos visto, logo não é esperada qualquer desilusão! Adoro pessoas a passar-se nos nossos concertos: cria uma vibe fantástica que nos torna mais ferozes e poderosos em retorno e ansiosos por cumprirmos. Como um mero homem na plateia (ou melhor, no backstage desta vez) gostava de ver os Sleep. Afinal já tocámos uma cover da “Holy Mountain” no nosso segundo concerto de sempre, eles são como pais do género para mim. Mas não se trata só das bandas, também importa a atmosfera, certo? Estou bem certo de que o festival será estrondoso!

O disco ainda está fresco e estão no processo de viagem, mas podes já dizer o que está guardado para o futuro dos Stoned Jesus?
Adoro fazer isso! Teremos um outtake do “The Harvest” lançado em breve, mesmo antes da nossa tour com os Greenleaf, para lembrar às pessoas porque é que devem gostar do nosso recente álbum! Depois seguem-se alguns festivais – Up in Smoke, Soulstone Gathering – e outra série de datas pela Europa e pela Ucrânia. E Novembro-Dezembro ver-nos-á a trabalhar em material novo – finalmente! Fica atento a mais notícias através das nossas contas oficiais nas redes sociais e muito obrigado por esta entrevista. Vemos-vos no Reverence Valada! Saudações!

Os Stoned Jesus actuam no Palco Rio do Reverence Valada no dia 28 de Agosto e podem acompanhar todas as novidades da banda na sua página de Facebook, aqui.


sobre o autor

Christopher Monteiro

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