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O trio portuense The Rite of Trio, composto por André Bastos Silva na guitarra, Filipe Louro no contrabaixo e Pedro Melo Alves na bateria, editou no final de 2015 “GETTING ALL THE EVIL OF THE PISTON COLLAR!”, álbum que aqui apresentam Faixa a Faixa.
Serious Business foi a primeira tentativa de trazer para o mundo real algo que era apenas uma ideia sem forma na nossa cabeça – música em que nada é proibido. Ao mesmo tempo foi também a concretização de algo que eu (André) tinha tentado passar ao Pedro e ao Filipe por palavras, aquilo que seria a essência dos The Rite of Trio. Inevitavelmente as palavras falham sempre quando tentam descrever sons e acredito que só quando começaram a ouvir os primeiros esboços desta música é que se tenham apercebido do que estávamos realmente a construir.
O título é uma atitude de revolta. Para quem vive da música e da arte no geral, é muito fácil perder aquele amor descomprometido que se sente no inicio. É muito fácil perdermo-nos nas regras e nos academismos e sentirmos que podemos desiludir alguém se não fizemos as coisas conforme está no livro. Serious Business explora o prazer de tocar música sem regras, sem ambições, sem expectativas, só abrir a mente e deixar o rio musical fluir. É uma expressão que é utilizada de forma irónica na língua inglesa e como tal também a nossa música tem rasgos irónicos perfeitamente identificáveis por quem não viveu numa caverna nos últimos 20 anos e que arrancam sempre exclamações fantásticas ao vivo.
É até hoje considerada a música mais The Rite of Trio dos The Rite of Trio.
Na altura em que esta música foi composta estava a ouvir em repeat vários álbuns dos Queens of the Stone Age. Estava com o imaginário do deserto e dos road movies na alma e sentia que tinha de fazer parte desse movimento. O primeiro riff é uma clara alusão a esse espírito e, como em grande parte das nossas músicas a partir desse inicio deixei simplesmente a imaginação fluir sem pré-construções musicais óbvias e naturais. De alguma forma a música foi caminhando numa direcção muito diferente deste imaginário, saltando secções e indo parar a locais inesperados e diferentes. No final há um reencontro com o riff inicial mas muito mascarado, digamos talvez mais maduro. É como se estivéssemos numa viagem e passássemos por vários desafios e peripécias só para nos encontrarmos a nós próprios do outro lado, mas agora com toda a bagagem do que vivemos durante a viagem. De alguma forma isto parece-me ligar-se perfeitamente com o estilo road movie que inspirou esta música inicialmente.
Por um lado um dos temas texturalmente mais diversificados do nosso repertório, este tema não tem talvez um background tão interessante como os restantes. Mas no entanto há algumas coisas que podem despertar o interesse.
Em particular, temos a participação de um instrumento especial conceptualizado e construído pelos próprios The Rite of Trio. Algo a que demos o nome de Glassbreaker e que faz precisamente isso: partir vidros. Podem procurar uma demonstração na nossa página de Youtube.
Outro ponto de interesse é a citação muito diluída do standard de bossa nova “Desafinado” (em inglês “Slightly Out of Tune”). Confesso que já não me lembro como ou porque é que ele apareceu lá pelo meio mas a ideia de partida foi claramente essa melodia que neste momento é mesmo praticamente imperceptível. Podem encontrá-lo entre os 2:10 – 2:17 e numa versão mais estendida entre os 6:35 e os 6:47.
O resto foi a mesma caminhada sem escolhas proibidas a conduzir a composição por caminhos incertos e inesperados.
Esta é a única música biográfica, baseada em eventos reais. Trata-se do “clash” de The Rite of Trio com um semi-deus do jazz. (E, no fundo, com todos os semi-deuses desta vida).
Tanto eu (André) como o Pedro estávamos a fazer uma masterclass nos nossos tempos de estudo de jazz na ESMAE com um músico que tinha vindo dos EUA. Uma série de informações e desinformações entre a organização e o músico desencadearam uma série de situações tristes e completamente evitáveis. Decidimos falar com o músico em questão na tentativa de obter alguma compreensão mas infelizmente essa intervenção não foi bem sucedida e despoletou um diálogo muito pouco ético e pedagógico. Alguns dos melhores momentos ficarão eternizados na faixa, num animado diálogo entre TROT e o semi-deuses, como por exemplo: “Someone should kick their asses” – referindo-se claramente à ideia de alguém nos dar um saraivada de pancada para nos meter na linha; “I was their bitch” – uma alusão ao seu tempo de estudo durante o qual foi uma “meretriz” de outros músicos mais velhos e experientes; “If this was old school I could have put out a knife” – não carece de explicação.
Comecemos por aqui: esta é a nossa canção de cariz mais épico. E perdoem-nos mas não poderíamos descrevê-la sem adoptar uma tentativa de tom também ele épico.
O que acontece quando se cruza uma tradução aleatória do bing translate e um gesto sónico extraído da Sagração da Primavera de Stravinsky (o infame acorde Ebsusb5)? Esta não foi, concerteza, a questão nas nossas cabeças na altura da concepção deste tema mas, quando demos por ela, era certo que o Mal Absurdo do Colar do Pistão Stravinskiano já se tinha apoderado de nós e que não havia qualquer hipótese de retorno. Tornámo-nos assim vítimas impotentes desta entidade retorcida e disforme e dos seus caprichos desviantes. As profecias que se diz terem sido ouvido nesses tempos incertos foram: “Getting all the evil of the piston collar? NOME DE MÚSICA JÁ, EM MAIÚSCULAS E COM PONTO DE EXCLAMAÇÃO!”.
E assim foi. Isso e o background mais assumidamente prog rock da nossa adolescência que pegou nestes elementos e cozinhou uma jornada em busca de gestos angulares, harmonias cortantes, melodias épicas, métricas pantanosas, silêncios improváveis e glissandos lerdos que alimentassem este mal do pistão que tanto nos atormentou. Por motivos desconhecidos há um centro no número 5 a organizar as estruturas. O pico deste deboche profano surge primeiro nas paisagens áridas ao centro do tema que, aos poucos, vão desvitalizando a audência até se atingir o estado zero de entropia e esta se vir confrontada com a própria respiração – um dos caprichos desconfortáveis deste mal odioso do pistão. E depois na catarse da besta que toma a voz da guitarra e se consome no solo a seguir às badaladas da morte. Cumprido o ritual, e ainda à beira de uma quebra de tensão, resta-nos celebrar a bonança que fica, ainda com um cheiro estranho a pairar no ar.
Ok, talvez não entendamos de todo de onde veio esta composição.
A Symbols é a única música com letra, um poema musicado do Rainer Maria Rilke. Não queremos fechar as possibilidades com a nossa interpretação pessoal (além da música que resultou) mas convidamos todos a lançarem-se nas várias camadas de significados que estas palavras especiais trazem. Palavras sobre a fonte da criação.
Musicalmente esta foi uma canção que nasceu do desejo de fazer um tema a piscar claramente o olho à música contemporânea. É um daqueles temas que estava praticamente feito na minha cabeça em termos estruturais, faltando apenas colocar as notas no papel. Na altura andava a ouvir umas peças de Steve Reich (principalmente a Proverb) e de Lera Auerbach (uma compositora muito nova mas muito prolifera) de onde tirei os recursos timbricos e orquestrais principais, nomeadamente a voz da Beatriz e os solos e o contraponto de contrabaixo.
A Beatriz (actual vocalista dos Madredeus) não foi sequer uma escolha, a música foi praticamente escrita para a voz dela, e desde a primeira nota que eu tinha a imagem dela a cantar isto. O resultado final para nós não poderia ter sido melhor.
Destaca-se claramente de todo o álbum, seja em termos sónicos, seja em termos timbricos, seja em termos energéticos. Pode parecer talvez uma carta fora do baralho e que a sua introdução é quase forçada no álbum, no entanto para nós é apenas mais uma forma de defraudar expectativas e introduzir elementos inesperados na nossa música. Acaba por estar perfeitamente enquadrado e por funcionar como um “grand finale” por esse mesmo motivo.
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)