//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Dois anos após o lançamento de Pulso, a dupla Setubalense composta por Pedro Franco e João Mota, Um Corpo Estranho, está de volta aos discos com Homem Delírio, editado pela Malafamado Records com o apoio da Fundação GDA no passado dia 22 de Março.
O disco abre com um tema que nasceu de um exercício de aquecimento vocal. Tivemos a ideia de fazer um jogo entre várias vozes e privar o tema das soluções instrumentais às quais costumamos recorrer. Queríamos, de alguma, forma romper com os discos anteriores e fez-nos sentido começar esta narrativa de uma forma mais despojada. Nesse processo, a letra acabou por cair numa reflexão sobre as dualidades, o passado e o presente, a acção-reacção, o bem e o mal, a liberdade criativa e as prisões mundanas.
Este tema nasce de uma visita que o João fez a Ronda em Espanha, uma vila muito vincada pela passagem de Ernest Hemingway. Foi escrito a pensar no autor, ou no arquétipo que Hemingway representa no imaginário colectivo, o aventureiro inconsequente, a coragem e a rebeldia face às várias formas de tirania. Desta forma, ele acabou por ser o primeiro esqueleto da temática deste disco, o homem que faz frente à tempestade atrás de um ideal, esse tal homem-delírio. Por outro lado, a parte mais negra dessa vida pouco regrada, a inquietação, o isolamento e o desgosto que flagelam quando as revoluções falham, quando a luta termina e o silêncio se torna normal.
No seguimento do tema que o antecede, Homem-Delírio nasce do mesmo arquétipo, sendo que aqui se inspira directamente no universo quixotesco. A invocação do herói louco, da cegueira da aventura e do sonho. Celebrando a inocência, aliada ao ideal, contra o preconceito, a incompreensão e o receio dos que temem o sonho, ou se esqueceram de sonhar.
A par do Homem-Delírio, O Estrangeiro faz parte dos primeiros esboços instrumentais que iniciam o processo deste disco. Foi escrito no auge da problemática dos refugiados da Síria, e na forma como a europa estava a lidar com a situação. Quisemos invocar o paradigma de alguém que se vê abruptamente privado do lugar de onde sempre pertenceu, do qual carrega bagagem, que tem de começar de novo, num lugar novo e de conviver com a desconfiança, com o preconceito, com a condição de estranho, até que se sinta aceite e até que parte da sua vida se torne digna. No fundo, uma questão intemporal e sem geografia específica.
Escombros é um tema que surge de uma linha de guitarra vinda directamente do coração do Pedro Franco. Esteve bastante tempo sem nome até que acabou por surgir a meio do processo de criação do espectáculo que estamos a produzir com encenação do Ricardo Mondim. A peça, que tem o mesmo nome do disco, aborda também a mesma temática, sendo que se pode colocar num cenário pós-apocalíptico. Este tema vem, de alguma forma, ilustrar o que fica para trás, que ainda tem vida e possibilidade, mas que marca fortemente um cenário de desolação, que pode ser num lugar, ou numa pessoa.
É um tema que ronda a temática da perda, da morte, e da ressurreição que se dá em nós que ficamos, precisamente para compensar essa perda, sendo que a morte dos outros também nos mata, de alguma forma. É-nos necessário encontrar uma espécie de renascimento interno, a fim de encontrarmos sentido ao que parece não ter.
Só o Paraíso é uma canção que reflecte sobre a ironia que existe nos lugares, que, pela história ou pela mitologia, são considerados sagrados, mas que, por alguma razão, não resistem à gestão humana. Sendo que os paraísos talvez só possam reunir condições para existir quando somos expulsos deles, ou sobrar no mito quando acabamos com eles.
A estética da valsa trôpega é um elemento constante no trabalho de Um Corpo Estranho. Há qualquer coisa de burlesco e de castiço num compasso ¾ que nos atrai muito. Neste tema encontramos o nosso Homem-Delírio, a nossa personagem, no fim do caminho, ou até onde o quisemos acompanhar. É uma meditação sobre o quanto de nós está isolado, sem conseguir exprimir o que queremos dizer, por medo de sermos julgados pela nossa loucura interna. Sendo que o universo deste disco foi imaginado como uma distopia onírica com uma personagem central que nos vai narrando as paisagens por onde passa.
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)