The Twist Connection

The Twist Connection
2018 | Lux Records | Rock

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Influenciados por uma série de estéticas do século XX que entraram pelo novo milénio, desde os 50’s ao Punk, os The Twist Connection encontram em 2018 a própria identidade ou, pelo menos, fazem por isso. Não são do Garage nem de qualquer vaga Psicadélica, gostam de Rock’n’Roll e praticam-no. Sobrevivem-no e falam sobre isso. E quem quiser saber mais, vai ter de ver e ouvi-los.

#1 Evil always wins

O disco abre com aquela que foi provavelmente a canção mais trabalhosa, naquilo que diz respeito ao processo de composição. Durante muito tempo, nos ensaios para composição, eu e o Sérgio sentiamos que o caminho que estávamos a seguir não ia levar a lado nenhum… assim, há que reconhecer que esta canção só existe pela perseverança e pela visão do Kaló que, desde o ínicio, sabia que esta haveria de funcionar e que só lhe faltaria um “click” que haveria de chegar. O processo começou com um riff (o que suporta os versos) a que o Sérgio acrescentou uma linha de baixo simples que levava o Kaló, no final de cada volta à canção, a dizer invariavelmente “é a tua melhor linha de baixo de sempre!”. Depois de algumas mudanças na batida a canção foi ganhando forma mas, na realidade, só nas gravações ganhou aquela tonalidade country que perfuma o refrão e que, sendo uma novidade na banda, torna esta uma faixa distinta de qualquer outra que tenhamos composto até hoje. E aqui há que destacar, e não só por cortesia, a guitarra lap steel que o João Rui (a Jigsaw) lhe acrescentou e que acentuou essa direcção. E serei só eu a ouvir o Arthur Lee a assombrar a voz e as palavras do Kaló?

#2 Losing touch

O nosso processo criativo tem, muitas vezes, início num riff de guitarra que chama a atenção do Kaló. Num soundcheck ou num ensaio, quando pego na guitarra, acabo a tocar sempre alguma coisa de improviso. Na maioria das vezes são tretas sem jeito mas, num ou outro momento mais inspirado, lá se destaca alguma linha que chega aos ouvidos do Kaló. Esta “Losing touch” seguiu esse modus operandi. Recordo-me que andava a ouvir de forma particularmente intensiva o James Brown e que tentei, quando peguei na guitarra num ensaio, criar um riff com um groove similar… ora, se é verdade que falhei nesse propósito também não é mentira que, com facilidade, e depois de o riff ter chegado aos tais ouvidos, o baixo impecável do Sérgio e a bateria do Kaló rápida e facilmente se juntaram e a canção fluiu e ganhou forma com meia-dúzia de investidas. Se há canções que nos podem caracterizar, esta será uma delas: riffs, linhas de baixo e baterias – tudo simples, tudo “descomplicado” – a criarem um groove que dá espaço ao Kaló para dar voz às suas (que serão também nossas, de todos e cada um de nós) dúvidas e angústias.

#3 Blindspot

Chegámos a gravar, para o nosso primeiro álbum, o Stranded Downtown, uma outra canção chamada Blindspot que acabou por não ser editada. E como há coisas que não se podem desperdiçar, o Kaló adaptou essa letra para outra canção que é caracterizada por um groove bem marcado. Numa fase inicial da sua composição brincávamos dizendo que era a nossa música para as pistas de dança! Aqui destaca-se, na ponte, uma inversão de papéis que muito nos agrada: ao invés de optarmos por um solo de guitarra convencional – dos quais fugimos de forma declarada! – damos espaço para o Sérgio levar a música “para a frente”, como gosta de dizer o Kaló. Se repararem, nessa ponte, a guitarra faz sempre a mesma linha com variações infimas e é o baixo que percorre uma linha melódica diferenciada (que em estúdio é enriquecida por uma segunda guitarra).

#4 Dancin' in the dark #1

Aquela que talvez possamos considerar a música central deste álbum foi também, se bem me recordo, o primeiro passo que demos no caminho até este disco. E antes que perguntem “porquê duas versões da mesma música num mesmo álbum”, deixem-me devolver a questão: e porque não? O Neil Young, um dos meus músicos preferidos, inicia e termina dois álbuns diferentes com duas versões de uma mesma música (“Tonight’s the night” do álbum com o mesmo nome e “Hey hey, my my” do Rust Never Sleeps). O Kaló, que nem é grande “amigo” do Neil Young, tem certamente outros exemplos de álbuns importantes para ele que funcionarão da mesma forma e se perguntarmos ao Sérgio ele é rapaz para se lembrar de mais alguns. Portanto, mais do que porquê, importará olhar para as versões desta canção e perceber o que elas nos oferecem de diferente. Esta primeira abordagem é mais lenta, mais “moody”, com guitarras acústicas proeminentes, soando-me a mim mais desencantada e menos esperançosa. Não há aqui brilho, só negrume. A composição da mesma seguiu o traçado habitual: um riff de guitarra, neste caso na minha Danelectro de 12 cordas que me leva sempre a abordagens e caminhos diferentes (não acredito que me saísse este riff de uma guitarra de 6 cordas) que se destacou e, numa investida ou duas, a canção ganhou forma. É o Sérgio quem diz sempre, quando temos só um riff ou ideia inicial, “vamos ver até onde isto nos leva”… e assim foi! Já faz parte do nosso setlist há algum tempo e, apesar de sentirmos que o público lhe reage de forma inconsistente (será porque é a nossa música mais downtempo?), a nossa confiança na mesma é tanta que, como comecei por dizer, o álbum acaba por ser balizado e marcado por duas versões deste tema.

#5 Who are these people?

Uma das características que mais aprecio na forma de compôr nos Twist Connection diz respeito à facilidade com que desrespeitamos as estruturas convencionais das canções. Sem que tenhamos que fazer um esforço consciente, não é muito habitual uma canção nossa seguir uma estrutura verso-refrão-verso-refrão-solo-refrão rígida. Refrões instrumentais são comuns, a ausência de solos convencionais é total… E aqui, neste que foi o nosso primeiro single, isso é claro: a música avança sem que, à excepção do refrão, se repitam partes, riffs ou sequências de acordes… há sempre coisas novas a acontecer… isto dito assim até parece que estamos a falar de músicas de uma grande complexidade ou com tiques progressivos mas é óbvio que não se trata disso! A música continua a ser imediata, directa, com alguma crueza até… bolas, começa e termina com um riff que o Ron Asheton podia ter tocado nos Stooges! Foi o nosso primeiro single para este álbum e… “the time is now!”.

#6 Season of the witch

Não sei porquê mas ouço sempre uma vertigem “garageira” neste tema, apesar de, objectivamente, não andarmos assim tão próximos dos terrenos do garage. O riff que pontua os versos e que foi o ponto de partida para a canção é um excelente exemplo da composição por desconstrução e simplificação… eu passo a explicar: existia um riff, mas era uma linha com muito mais notas, mais rápido e com menos “espaço”… o Kaló gostou mas orientou o riff para outro lado: “toca só aquela parte, deixa essas notas… dá espaço… não repitas logo a linha”. O Sérgio aproveitou a deixa e os espaços “em branco” para assentar uma linha propulsiva que empurra a música na direcção pretendida. Uma vez mais, fugimos a um solo óbvio, criando um interlúdio baseado numa progressão de acordes com maior riqueza melódica que introduz novidade e leva, por instantes, a canção noutra direcção.

#7 Scum

Uma vez mais a lógica do “o menos às vezes é mais” impera. Há um riff de guitarra que introduz o tema mas logo a guitarra foge para segundo plano e deixa o baixo do Sérgio suportar todo o verso. Os pré-refrões (se é que lhes podemos chamar assim) são, a meu ver, momentos particularmente interessantes e bem conseguidos, uma vez que após riffs e versos declaradamente tensos e claustrofóbicos, aquelas linhas mais melódicas (que, em alguns momentos, me fazem lembrar algo saído do “Loaded” dos Velvet Underground) e “abertas” introduzem um raio de luz antes do refrão apocaliptico (que deveria agradar certamente ao Travis Bickle…) tudo levar. Esta canção foi a dada altura discutida como sendo um potencial segundo single… será que ainda vamos a um terceiro?

#8 Big Shame

Há já uns meses, enquanto o Sérgio recuperava de um problema de saúde, eu e o Kaló decidimos fazer um ensaio para avaliarmos algumas ideias e vermos se começávamos a compor coisas novas. “Havia um riff”, lembrava-se o Kaló mas eu não me lembrava dele ou, pelo menos, tinha memória de uma coisa muito diferente daquela que ele insistia ter sido uma ideia minha. Tudo se resolveu com o Kaló a explicar-me como era o tal riff e comigo a (re)construí-lo a partir dessas indicações e foi este, juntamente com a Dancin’ In The Dark, um dos primeiros passos em direcção a este álbum homónimo. Naturalmente, o entretanto recuperado Sérgio, acrescentou uma série de pormenores que tornaram a música aquilo que se ouve aqui. Se simplificarmos os nossos papéis (se os simplificarmos mesmo muito porque não há regras!) na composição de novas canções, podemos dizer que se eu levo os riffs, linhas melódicas ou progressões de acordes que dão início aos novos temas, o Kaló é quem primeiro tem uma visão global da canção, da estrutura que esta deve assumir (para além de escrever todas as letras) e dos caminhos a seguir e o Sérgio é quem refina os temas, sugerindo pormenores “out of the box” que os enriquecem de forma indelével… exemplos? A paragem a meio do primeiro verso ou o acorde – que foge à progressão tipica – que pontua o final do segundo verso e que assinala a passagem para a ponte. Ponte esta onde, uma vez mais, o baixo assume o papel principal, conduzindo a música enquanto a guitarra se remete a uma variação repetitiva do riff que suporta os refrões. Como ensaiamos (e gravámos!) na Blue House do Jorri (a Jigsaw) e aí partilhamos espaço e material com rapaziada tão recomendável como os Parkinsons, os Wipeout Beat, os Birds Are Indie ou, claro, os a Jigsaw, recordo-me que havia sempre alguém desta malta (não me recordo quem!) que, ouvindo os ensaios, se referia a esta como a “música dos The Stooges”… os Stooges são os maiores, claro, mas, desculpem lá, não os ouço aqui!

#9 I Can't Stay

sta é a canção mais antiga deste disco. Foi composta nos primeiros meses da banda, quando eu e o Kaló nos encontrávamos numa sala de ensaios no Avenida para criar algo de novo. Baseada numa ideia que o Kaló já trazia (de sessões anteriores com o Pedro “Calhau”), a I Can’t Stay rapidamente ganhou forma e se encaixou no setlist da primeira formação da banda. Foi gravada para o disco de estreia, no entanto essa versão não nos convenceu e acabou por ficar de fora… com o ingresso do Sérgio, e apesar de entretanto se ter tornado uma música menos importante nos nossos concertos (muitas vezes guardada para eventuais “encores”), ganhou outra alma e outra dinâmica. Novamente gravada para este disco, sentimos que agora, devidamente maturada, está no ponto. Destaque aqui para os importantissimos pormenores que o grande João Rui (A Jigsaw) ofereceu à música (as contribuições do João estão espalhadas por todo o álbum mas não posso deixar de destacar o Fender Rhodes que surge aqui nos refrões e que lhes acrescenta um colorido diferenciado!).

#10 Dancin' In The Dark #2

Pegando no que disse em relação à primeira versão da Dancin’ In The Dark, o que é que nos oferece esta abordagem que não estava presente nessa primeira? Se é verdade que a estrutura da canção é a mesma, que a guitarra principal faz a mesma coisa, se o baixo também não é diferente, se a bateria é igual e a letra a mesma, também é verdade que temos aqui arranjos diferentes: esta versão é mais uptempo, há mais guitarras de 12 cordas a criarem linhas secundárias diferentes, há uma abordagem ligeiramente diferente na voz do Kaló… e depois há a Raquel Ralha a trazer aquele vozeirão fabuloso e o mellotron do genial Augusto Cardoso a colar isto tudo de uma forma simultaneamente bela e melancólica. Se a primeira versão era iminentemente desencantada, sem um raio de luz a abrir portas a qualquer espécie de optimismo, aqui já “ouço” alguma esperança… não sei se vem da voz da Raquel se do mellotron do Augusto Cardoso… mas que está lá, ai isso está! E não havia melhor forma de fechar o disco – disco este que, se tiver um tema unificador, será sempre o das angústias existenciais, dos medos, preocupações e dúvidas a que o Kaló dá voz e que terá certamente eco em todos e cada um de nós – do que com uma nesgazinha de esperança, pois não? Ainda por cima com aquele final em que tudo acaba e o mellotron fica ali sozinho, a pairar…


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Arte-Factos

A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)

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