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Alice nas Cidades costuma ser apresentado como o primeiro filme da trilogia de road movies que Wim Wenders realizou nos anos 70 e que inclui também Movimento em Falso e Ao Correr do Tempo. Costuma também ser reconhecido como uma espécie de antecipação do título que, dez mais tarde, consagraria o nome do cineasta alemão a nível mundial e que se tornaria, até hoje, o seu filme mais emblemático, Paris, Texas. No entanto, apesar de poder ser tudo isso, Alice nas Cidades é também mais do que apenas isso, ou não fosse o filme que permitiu a Wenders encontrar (na sua quarta longa-metragem) o seu próprio estilo e a sua identidade artística.
A história de Alice nas Cidades, ao mesmo tempo que parece ter sido escrita de improviso, à medida que as filmagens iam decorrendo, pertence a uma época que já não volta. Uma época em que ainda se podia ter a ilusão de querer compreender a América, em que o mundo ainda podia ser fotografado com máquinas Polaroid e em que uma mãe ainda se atrevia a deixar a sua filha de 9 anos, num país distante do seu, aos cuidados de um homem que conhecera no dia anterior.
Esse homem é Philip Winter (Rüdiger Vogler), um jornalista alemão, solitário e desencantado, que quis atravessar a América para poder escrever sobre ela, mas que nessa viagem apenas conseguiu tirar fotos incapazes de espelhar a realidade que encontrou. Quando se prepara para regressar ao seu país, depara-se com um problema no aeroporto, que impede que o voo se realize. É nessa altura que conhece Lisa e a sua filha Alice (Yella Rottlände), que enfrentam o mesmo problema que ele. Devido às circunstâncias, Philip acaba por travar amizade com as suas conterrâneas e partilha com elas um quarto de hotel durante a noite.
Na manhã seguinte, no entanto, o jornalista descobre uma carta de Lisa a dizer que se foi embora e que deixa a filha aos seus cuidados. Ela promete reencontrá-los em Amesterdão, para onde Philip e Alice terão de viajar na impossibilidade de seguirem directamente para a Alemanha, mas a verdade é que Lisa falha esse compromisso. É então que começa a viagem de Philip e Alice para encontrarem a avó desta. Uma viagem, de início, marcada pela animosidade e incompreensão, devido ao confronto de personalidades entre o jornalista inadaptado ao mundo dos adultos e a criança demasiada madura e insubmissa para a idade, mas que gradualmente vai estabelecendo uma cumplicidade entre os dois.
Embora se mantenha até ao fim a dúvida sobre se esta dupla improvável irá conseguir encontrar a avó da criança, não é esse o objetivo principal do filme. Wenders é um realizador para quem o sentido das viagens é a própria viagem dos sentidos. O que lhe interessa é a transformação que ocorre nas suas personagens ao mesmo tempo que se deslocam fisicamente e ganham uma nova consciência de si mesmas. E mesmo que, por vezes, alguns comentários de Philip pareçam demasiado filosóficos e afectados, a liberdade de movimentos que ele e Alice revelam e a precisão com que a câmara as acompanha conquistam a confiança do espectador e despertam-nos, também, a vontade de partir. O que o jornalista não conseguiu alcançar na América (uma viagem transformadora, de redescoberta do mundo, dos outros e de si mesmo), vai conseguir atingir no centro da Europa, com a ajuda de uma criança de 9 anos, tão perdida e só quanto ele.
Exemplar na maneira como traduz a melancolia e inquietação das personagens é, também, a música dos Can, lendária banda alemã que marcou o krautrock dos anos 70. A sua composição é tão decisiva para o impacto do filme quanto a de Ry Cooder seria para a história de Paris, Texas. E, já que falo em música, não posso deixar de registar o facto de Alice nas Cidades – que voltou a ser projectado nas salas de cinema, em Portugal, dois dias antes da morte de Chuck Berry – incluir imagens de um concerto do pioneiro do rock a interpretar o tema Memphis Tennessee.