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A estreia de Ewan McGregor na realização é audaciosa: os romances de Philip Roth não são conhecidos por serem bem adaptados ao grande ecrã. Sem termos lido o romance que inspira o filme, limitar-nos-emos a comentar o último enquanto obra independente.
De forma previsível, McGregor toma para si o papel principal de American Pastoral, o de Seymour “Swede” Levov, campeão desportivo de liceu e herdeiro do bem sucedido negócio do pai; em suma, um sonho americano. Após o regresso triunfal da guerra, casa com Dawn, Miss New Jersey, a determinada e singela filha de um canalizador. Vemo-los na sua nova casa, no campo, em arrebatadora simplicidade e felicidade conjugal, com o nascimento da sua filha, Meredith. Vemo-los (sem se perceber bem o interesse) desde os olhos do irmão de Swede e de um seu ex-colega de liceu, quando os dois se encontram numa reunião de turma, décadas após os eventos descritos. Coincide esta data com a véspera do funeral de Swede, morto, segundo o irmão, por causa de Meredith. O que lhe fizera a filha? Para o descobrir, iremos mergulhar não num sonho pastoral, mas sim num pesadelo americano.
No campo, cuidando das vacas da mãe, perfeita, esperando pelo pai, perfeito, Meredith, ou Merry, desenvolve uma gaguez que, no ver da psicóloga que rapidamente começa a frequentar, é consequência desta vida perfeita, onde se sente destoar. Incapaz de competir pelo afecto do pai ou com a beleza e a harmonia da mãe, Merry esconde-se numa incapacidade fisiológica. Mais tarde, esconde-se na violência. Sensível desde pequena, sofrendo pelos tormentos dos outros, a adolescente sente rapidamente necessidade de abandonar o campo, onde não se fazem revoluções, citando Marx, e partir para New York, onde os seus únicos amigos, activistas, a esperam. Ingénuo na sua burguesa e americana perfeição, Swede aconselha a filha a “agir”. Merry leva a sugestão à letra e explode com um posto de correios, causando a morte a um homem. É difícil, para os seus pais, acreditar na culpabilidade da filha, mas ela nunca regressa a casa e, com o passar do tempo, o mistério que, até àquele ponto poderia despertar o interesse do espectador, desaparece. Merry anda fugida durante anos e, quando o pai a reencontra, parece impossível reconhecer naquele caco de pessoa a impetuosa adolescente em crise. A crise é diferente: agora, tudo o que ela deseja é não ter qualquer influência no mundo que antes tentara mudar à força.
A nova Merry parece uma versão electrocutada da antiga. Os motivos para a transformação são incertos: a violência dos outros (dos seus amigos, dos activistas, ou talvez de desconhecidos) transformara a sua em impotência. É como se a violência lhe tivesse sido exorcizada pela vida. Poder-se-ia ter dito de Merry o mesmo que Don Mclean cantara sobre Van Gogh, “this world was never meant for one as beautiful as you”; mas, reflectindo um pouco, ninguém irá advogar a beleza de Merry. Não é que a personagem seja realmente nefasta, mas há uma sensibilidade nela que a impede de viver em harmonia com os outros. Talvez que seja esta a primeira falha de McGregor: o ser incapaz de promover, em Merry, outra coisa que não o seu lado aterrador. A outra grande falha, que segue directamente da primeira, é a incapacidade de mostrar Swede como uma personagem independente da da filha. Quando Merry desaparece, é profetizado pela mulher da sua vítima que a tragédia destruirá a família. Ao longo de meses é isso que naturalmente se observa: a mãe afunda-se numa depressão que, a certo ponto, a obriga a mudar de vida, a mudar de cara. Eventualmente consegue-o e, em troca da memória da filha, que está determinada em esquecer, ganha uma nova sofisticação, uma leviandade oposta à vida exemplar que a levara ao desespero. Ser-se demasiado bom e simples não traz necessariamente felicidade. Correr atrás de quem quer ser deixado em paz também não. Se podemos, ao menos, louvar Dawn por tentar sair do buraco para onde outros a haviam atirado, por mais fúteis que nos pareçam os seus novos caminhos, é difícil desculpar a irritante e ingénua auto-destruição a que Swede se submete. Principalmente porque não a vemos : Merry reaparece (e, por instantes, acreditamos que a história ainda poderá renascer), mas o seu estado faz-nos baixar os braços, para reerguê-los, novamente, até à cabeça, ao perceber que isso não desmoraliza Swede. A filha e as suas dores pertencem-lhe, de modo que, quando esta volta a desaparecer, desta vez para sempre, McGregor mostra-nos que a única coisa que Swede consegue fazer é esperar por ela.
A perfeição que o ex-colega do irmão de Swede adivinhara é, e este deveria ser o ponto central da história, mera ilusão. Todas as vidas têm os seus problemas, certo, mas há alguns que não ensinam e não entretêm ninguém e que, por isso, não dão bons filmes. Nada se gera desta experiência cinematográfica que segue, realmente, a forma de um pesadelo. Se a expectativa de “algo” salva os primeiros dois terços do filme (com a busca da filha perdida e o aparecimento de uma suposta sua amiga, muito pouco verosímil), a desilusão do regresso de Merry e da impotente reacção de Swede deixam muito incómodo que nenhuma actuação especialmente brilhante ou alguma subtileza da realização conseguem atenuar.