//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Good morning, Columbus.
Único filme filmado nos Estados Unidos do realizador sérvio Emir Kusturica (Urso de Prata no festival de Berlim), Arizona Dream (1993) é um conto trágico-cómico passado num território onírico onde o real e o imaginado se misturam na descoberta de uma certa América. As alusões à cultura e ao sonho americano são muitas, a começar pela inclusão de Jerry Lewis no já improvável elenco (um ainda muito jovem Johnny Depp, Lili Taylor, Faye Dunaway e Vincent Gallo) e passando por referências aos míticos Cadillacs, ao Old Spyce ou à fábrica de sonhos de Hollywood. Mas o argumento, escrito em parceria por Kusturica e David Atkins, é demasiado peculiar para ser explanado em meia dúzia de linhas. Diremos apenas que todas as personagens vivem das suas fantasias, que se enlaçam na história e acabam por ditar o seu desfecho.
No centro da narrativa está Alex (Johnny Depp), um jovem nova-iorquino com um sonho bizarro e recorrente onde surgem esquimós, a sua família e um peixe voador. As suas divagações oníricas oscilam entre o Alasca, Nova Iorque e o Arizona (a sua terra natal) onde reside seu único parente vivo: o excêntrico tio Leo (Jerry Lewis), um vendedor que acalenta o sonho de empilhar Cadillacs até à lua, escada que trepará no dia da sua morte. As viagens mentais de Alex tornam-se realidade quando se vê forçado por Paul (Vincent Gallo), um aspirante a actor obcecado com o cinema de Hitchcock, a viajar até ao Arizona para assistir ao casamento de Leo. Já no Arizona, duas estranhas mulheres se cruzam no seu caminho – Elaine (Faye Dunaway) e Grace (Lili Taylor), mãe e enteada, duas almas demasiado densas para caber nos respectivos corpos. Elaine ambiciona voar, Grace pretende reencarnar numa tartaruga. Por amor à primeira, Alex constrói uma máquina voadora. Por amor à segunda, torna-se finalmente adulto.
Kusturica consegue aqui um equilíbrio superlativo, não apenas entre a realidade e a dimensão surrealista da narrativa, mas entre o trágico e o caricato, equilibrando esta bipolaridade em todas as personagens – que, sendo risíveis na sua demência funcional e comportamento, têm um lado sombrio preponderante. O arquétipo destes contrastes será a personagem de Grace, um desempenho ímpar de Lili Taylor, cuja descoberta constitui aliás um dos maiores méritos do filme – nas palavras de Kusturica: Technically, as an actor, Lili Taylor has no peer. She is flawless. No other American actor her age can touch her. A ideia de duplicidade (e da escolha forçosa entre um dos lados da barricada) é de resto uma constante, não apenas na construção psicológica das personagens, mas nos dilemas que a narrativa vai apresentando: sonhar ou existir, voar ou caminhar, amar ou esquecer e, por fim, viver ou morrer.
As idiossincrasias de Arizona Dream não se ficam por aqui. Há uma utilização exímia da câmara, planos panorâmicos lindíssimos e uma sequência absurda de mais de 40 minutos (um jantar em casa de Elaine e Grace) que lança as primeiras pistas para o destino das personagens. E apesar de um certo tom anti hollywoodesco do ambiente, são múltiplas e deliciosas as referências ao cinema americano, a maioria concretizada na personagem de Paul (Gallo), que sonha em tornar-se numa grande estrela de cinema: uma interpretação de uma famosa cena de North by Northwest de Hitchcock, uma imitação de De Niro em Raging Bull, a reprodução do sotaque de Marlon Brando em The Godfather e ainda o antológico diálogo entre Al Pacino e John Cazale na mesma saga. O tributo ao cinema americano estende-se a pormenores da mise-en-scène, pratos com imagens de Gone with the wind, fotografias de Schwarzenegger, penteados e figurinos que evocam o período clássico do cinema americano. Nota ainda para a maravilhosa banda-sonora, onde entre conhecidas canções mexicanas se destaca a partitura tão característica de Goran Bregovic, abrilhantada pela colaboração de Iggy Pop.
Raro e difícil de catalogar (e bastante único no currículo do cineasta), Arizona Dream é hoje uma obra de culto para um segmento específico de aficionados – os adeptos de filmes que não respondem às suas perguntas. A linearidade da narrativa será sempre discutível; será melhor aproveitá-la nas particularidades inúmeras que a compõem, impondo-lhe um sentido não apenas maior do que a soma das partes, mas necessariamente distinto para cada observador. Pode por isso incluir-se naquele pequeno grupo de filmes para ver, rever, interpretar e reinterpretar, sem chegar nunca a uma verdadeira conclusão. Também assim acontece com a matéria dos sonhos.
After the storm, I couldn’t say life was beautiful.
But all I kept hoping for was the Eskimo boy of my dream to run out of one of these doors and hug me.
And even though I no longer felt like a fish and realized I knew nothing, I was happy to be alive.