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Arrival
Título Português: O Primeiro Encontro | Ano: 2016 | Duração: 117 miutosm | Género: Ficção Científica
País: Rússia, Reino Unido | Realizador: Dennis Villeneuve | Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker, Michael Stuhlbarg

Dennis Villeneuve surgiu do nada em 2010, com Incendies e desde então que tem criado uma obra com uns filmes mais interessantes do que outros (achei Prisoners razoável, mas o poder de Sicario é inegável). Três coisas são, no entanto, permanentes: um controlo muito bom da narrativa, uma escolha de actores impecável e acima de tudo, um sentido estético, optando quase sempre por planos cuidados e calmos, que já vem sendo raro no cinema actual. A boa notícia é que nada disto muda com o seu novo Arrival, uma obra de ficção científica para adultos e pessoas que gostam de ter um canal simultâneo entre o cérebro e o coração. Num género que tem apresentado poucas novidades de facto nos últimos anos, Villeneuve chega com uma obra mesmo mantendo algumas cartas familiares no baralho, consegue misturá-las e dar-nos novos sabores.

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Quanto menos se contar da história, melhor e portanto ficamo-nos pelo que os trailers mostram. Doze objectos estranhos suspendem-se de um dia para o outro sobre 12 pontos da Terra. Para tentar descobrir o que se passa, o Exército norte-americano contacta uma especialista em linguagem, Louise Banks, para tentar comunicar com os tripulantes. O processo decorre paralelo à tensão inerente à chegada de extraterrestres ao nosso planeta e nem todos estão dispostos a ter a abordagem paciente que os EUA revelam. Apesar de o mundo ser um palco, a história acaba por ser parecer intimista porque nunca abandonamos a experiência e ponto de vista da linguista Banks, que traz para a missão alguns problemas pessoais e acima de tudo uma inteligência feroz que protagoniza toda a aventura. Como é raro no cinema comercial que o cérebro seja o protagonista e neste filme, ele está bem à frente da câmara, quando a salvação da espécie depende dos neurónios de uma equipa de cientistas. Poucas correrias, ínfimos tiros e explosões e acima de tudo, pensa-se sem que o filme perca tensão por isso. É um encanto. As influências aqui são a sensibilidade que o Spielberg de início de carreira revelava para os contactos galácticos o filme The day the earth stood still, mas também se sentem toques de 2001 (as naves que srugem nos posters, barcos negros na vertical, emitem memórias do monólito na obra-prima de Kubrick), Solaris e Contact, o subvalorizado filme de Robert Zemeckis com o qual Arrival acaba por ter bastantes paralelos. Tudo boas referências que nunca são exactamente imitadas.

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O motivo é a maior luta do filme: a linguagem, o que acaba por ser lógico. É um ponto que todos os filmes do género saltam (as criaturas de outro planeta chegam aqui já com graus de inglês bem avançado) mas o essencial numa comunicação é o entendimento da linguagem alheia. Em si, é uma mensagem muito directa a um mundo em mudança: comunicar é a chave e a solução e cedo se torna evidente no filme que tal não é acaso no grande plano que existe para a Terra. Apesar da situação ser inverosímil, tudo é tratado com uma lógica de causa e efeito perfeitamente plausível e cremos que se tal evento se sucedesse na realidade, tudo se passaria de um modo bastante semelhante e quanto mais olhamos para o mundo dividido de hoje, com conflitos internos e externos, a pergunta sobre se existe uma Terra surge de facto. A melhor ficção científica é aquela que, mesmo afastando-se da Terra, questiona e indaga sobre o que faz de nós humanos em contraponto ao que existe lá fora. Questiona o que somos e o que queremos, as nossas maiores falhas e as qualidades que nos tornam maiores do que as estrelas e em simultâneo humildes perante elas. Arrival pergunta tudo isso.

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A resposta chega nos dramas interiores da personagem de Louise Banks, que Amy Adams interpreta de maneira superlativa. Adams é, na minha opinião, uma actriz versátil e incrivelmente subvalorizada. Penso que os cinéfilos esquecem o seu nome quando pensam em grandes actrizes actuais e ela está lentamente a ocupar o lugar deixado vago por Kate Winslet de grandes performances que não são premiadas. Esta é outra, uma anomalia sendo uma mulher a protagonizar um género habitualmente povoado por homens sem nunca perder aquilo que na essência a torna feminina. Doseia empatia, amor e persistência em doses iguais e como acompanhamos sempre o seu ponto de vista, é fundamental para o êxito do filme. Jeremy Renner e Forest Whitaker também vão bem, mas é em Adams que o filme nos encontra como Humanidade. Villeneuve filma com tudo com gosto, precisão: a primeira vez que vemos um dos objectos não identificados, como uma lança negra exigindo respeito e assombro, é um dos melhores planos do ano e fez-me rever a opinião de que o poder visual dos seus filmes anteriores se devesse apenas a Roger Deakins. O realizador funde inteligência e emoção num combinado perfeito, com uma a fornecer a outra ao espectador e mesmo quando, no terceiro acto, tudo se torna mais complexo, quem vê é convidado a seguir, ao invés de ficar a esfregar a cabeça, como noutras obras recentes do género.

Arrival será um daqueles filmes que circularão em conversas do que realmente marcou este ano cinéfilo. A sua insistência em respeitar a audiência pensante, não se deixando gelar o suficiente para ser distante, triunfa no final e se o móbil do filme é a chegada de criaturas exteriores e o estabelecimento de contacto, o seu principal objectivo é fazer-nos contactar connosco mesmos. Essas, tantas vezes, é a mais assustadora e estrangeira viagem de todas.


sobre o autor

Bruno Ricardo

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