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Filme exibido em estreia nacional no festival Curtas Vila do Conde 2019
Bacurau é um western. O cenário é o nordeste do Brasil, o sertão, um futuro próximo. A premissa é política, activista, engajada. Reforça valores de união e convivência comunitária, cada vez mais urgente num país em mudança, numa sociedade desfragmentada. Bacurau é uma história de sobrevivência.
Bacurau chora e despede-se da sua matriarca, num rito funerário que reforça a unidade e a proximidade entre todos, num momento de crise: o fornecimento de água foi interrompido. Percebemos que a corrupção e a inércia política poderão estar na origem do problema. Mas a população é resiliente, une-se e procura soluções. Percebemos a dada a altura que a resistência é característica de Bacurau, que apesar de pacifista vive em estado de sítio, com vigias e milícia.
O mistério instala-se: Bacurau desaparece do mapa – do digital, pelo menos, pois o esquecimento é mais difícil no papel físico e analógico -, forasteiros visitam a vila, a rede de telemóvel é cortada. Os habitantes deixam de conseguir comunicar entre si. E há mortes inexplicáveis. E ovnis!
O cenário idílico transforma-se num safari sádico, os gringos chegaram ao nordeste brasileiro para caçar seres humanos e o objectivo é eliminar a população. Daí ter desaparecido do mapa com um clique (momento Black Mirror), com conhecimento e aval do poder local. Tudo muito casual.
Filmado de forma irrepreensível, Bacurau é um filme lindíssimo. Retrata a cultura e os hábitos do meio rural, que contrastam com a evidente desfragmentação do meio urbano, voltado para o ego.
As personagens brasileiras são construídas com cuidado e de forma multi-dimensional. Sônia Braga carrega uma intensidade que marca o filme, Silvero Pereira (como Lunga, na imagem) é a grande revelação do filme. Já as personagens estrangeiras – os invasores – são exactamente o oposto, personagens insípidas, lugares-comuns, que parecem preencher todos os requisitos de bad guy. Mas talvez isto seja intencional.
Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles optaram por uma (ambiciosa) abordagem (demasiado) moralista. Em Bacurau responsabilizam a ganância nacional e estrangeira, o sobre-aproveitamento de recursos naturais e o afastamento das raízes. Chamam a nossa atenção para a realidade e para o fosso que dividem as regiões mais desenvolvidas e o meio rural. Convidam-nos à reflexão. E poderá ser este o seu erro na direcção do filme. Torna tudo demasiado óbvio, sem surpresas, sem sobressaltos. Ou estou tão atenta aos problemas do mundo, que já os normalizei, ficando insensível a tal realidade. Será esta reflexão pessoal um dos objectivos do filme?
Bacurau é um filme com potencial não concretizado. Ao argumento de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles faltou o delírio (sanguinário!) que encontraríamos num Tarantino, a intensidade crescente de Sergio Leone, ou até o humor negro dos Cohen. Não que um realizador deva seguir o caminho trilhado por outros, mas sim porque a mestria do passado carrega uma importante herança a assimilar no presente. Afinal, até é esse o ângulo de desfecho do filme.