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Os cartazes promocionais de Big Eyes mostram uma menina triste de olhos enormes envergando um vestido azul. Pela estranheza e desproporção, o desenho poderia ter saído do lápis de Tim Burton, lembrando a Sally de The nightmare before christmas ou uma qualquer personagem de The Melancholy Death of Oyster Boy & Other Stories, mas na verdade trata-se de um quadro de Margaret Keane, pintora americana muito popular nos EUA, que nos anos 60 viu a sua obra divulgada através do nome e figura do seu então marido, Walter Keane. Nos anos 90, Tim Burton, coleccionador e admirador confesso do seu universo estético (porque será?), solicitou-lhe que pintasse um quadro da sua namorada na época (Lisa Marie), e terá sido aí que nasceu a ideia para um biopic sobre Margaret (o segundo na carreira do realizador, depois de Ed Wood), cuja história é de tal forma insólita que poderia também ter saído da sua imaginação: uma ingénua e insegura mãe solteira, aspirante a pintora, conhece um artista carismático (na realidade, um impostor) por quem se apaixona. Este, fascinado pelos seus quadros invulgares e algo bizarros representando crianças desamparadas e inexpressivas com olhos enormes, assume-lhes a autoria e passa a exibi-los em galerias, a replicá-los em postais e a vendê-los a peso de ouro, alegando que na América nos anos 60 uma mulher seria incapaz de impor o seu talento. Ela aceita o argumento e a farsa perdura por dez anos, até que Margaret decide divorciar-se e reclamar a autoria das obras, processando o ex-marido e ganhando o caso ao produzir, em pleno tribunal, um quadro com olhos grandes em apenas 53 minutos.
Partindo desta inusitada história real com argumento de Scott Alexander e Larry Karaszewski (argumentistas de Ed Wood), Burton moldou a narrativa à sua imagem: Transformou-a numa fantasia estética – recuperando a paleta de cores da cidade perfeita de Edward Scissorhands, onde um narrador parece contar uma história infantil ao som da (sempre) belíssima banda-sonora de Danny Elfman – que instantaneamente transporta o espectador para o luminoso mas subtilmente terrível universo do seu cinema. A temática permite-lhe explorar um território confortável (o cruzamento entre o normal e o extraordinário), revisitar um dos seus alvos de eleição – a frivolidade da sociedade americana, neste caso, a questão da (des)igualdade de género na América de meados do séc. XX – e retomar o elogio da mulher, através da figura delicada de Margaret Keane. Todas as mulheres de Burton são heroínas improváveis encapsuladas num invólucro que as impede de assumir o seu papel determinante: voltamos a Sally de The nightmare before christmas, mas também a Peg de Edward Scissorhands (Diane Wiest), Lydia Deetz de Beetlejuice (Winona Ryder), ou Emily de Corpse bride.
Dispensando pela primeira vez desde Mars attacks (1996) da colaboração de Johnny Deep e/ou de Helena Bohnam-Carter, Burton entregou o papel dos Keane a Amy Adams e Christoph Waltz, dois actores de excelência habituados a corresponder a desafios muito diversos. A escolha não poderia ter sido mais adequada, quer no que diz respeito a Adams no papel de Margaret, quer a Waltz, no papel de um sacana com alguma graça, que de uma forma distorcida encontra algum paralelismo com a personagem de Inglorious Basterds (de Quentin Tarantino) que lhe valeu o Óscar de melhor actor secundário. Ambos os actores assumem sem dificuldade o exagero que as personagens dos filmes de Burton exigem, caricaturando-se a si próprios sem cair no overacting. Amy Adams tem um desempenho muito conseguido, encarnando Margaret Keane com uma candura e fragilidade perfeitas, que lhe valeram o Globo de Ouro para melhor actriz.
Como seria esperado, o ambiente do filme é um dos seus pontos mais fortes, combinando o guarda-roupa de época de Colleen Atwood com a fotografia de Bruno Delbonnel e a música de Danny Elfman (habituais colaboradores de Burton). Contudo, Big Eyes não deixa de representar um certo desvio ao paradigma burtoniano. Tem uma estrutura narrativa mais mainstream e não possui o tom sombrio ou gótico-satírico a que o cineasta nos habituou. Mas em bom rigor é fácil encontrar a plena assinatura do seu cinema, quer em termos visuais quer temáticos, talvez num formato menos extravagante, com menos do habitual negrume a mesma dose de sarcasmo. É curioso constatar que esta abordagem mais convencional tenha sido vista pela crítica como uma ousadia ou falência de carácter (a crítica mais favorável refere-se ao filme de forma condescendente, descrevendo-o como um “trabalho adulto”), quando na realidade Big Eyes confirma uma capacidade muito estável de apropriação do material de base e de reinvenção estilística, preservando a tonalidade quasi-sinistra, difícil de articular em palavras, que permite reconhecer um filme de Tim Burton. Sobretudo, Big Eyes é um trabalho pessoal que assume um tributo muito bonito à história incrível de uma artista que o cineasta evidentemente admira – Margaret Keane, que aos 90 anos e sem nunca abdicar do apelido, continua a pintar crianças de olhos enormes.