//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Kunst, em Alemão, quer dizer arte. “Um monte de arte”, portanto, foi como Christine Franz baptizou o documentário que realizou sobre os ingleses Sleaford Mods, coincidentemente autores de “Bunch of Cunts”, música incluída no seu EP Tiswas, lançado em 2014.
Começa com a voz de Iggy Pop (que mais tarde protagoniza um “momento de leitura” hilariante) a recomendar a banda numa rádio e leva-nos a Nottingham (sim, a terra de Robin Hood, que roubava aos ricos para dar aos pobres), para nos mostrar o pequeno estúdio onde os Sleaford Mods, formados por Jason Williamson (letrista e vocalista) e, desde 2012, Andrew Fearn dão voz à classe trabalhadora de Inglaterra através do seu punk-hop eletrónico e minimalista.
O documentário é pontuado por diversos momentos cómicos, em regra devidos à crueza da banda e da forma como se expressam, seja pela brusquidão das palavras ou franqueza de conteúdo, e consequentemente bem-sucedido a captar em filme aquilo que faz os fãs da banda ouvirem-nos cada vez em maior número (actuaram há dias no NOS Primavera Sound e tinham actuado previamente no Primavera de Barcelona).
“Saltitando” entre concertos, processo criativo da banda, testemunhos de fãs e colaboradores e momentos familiares, de Williamson ficamos a saber que “não faz as coisas como seria suposto fazê-las”, a sua esposa deixa claro que sempre julgou que um dia ele lhe ia desaparecer da vida de forma completa e inesperada, apenas para vir a sabê-lo morto um dia mais tarde. E no entanto, cá está ele com a sua família, o seu emprego do dia-a-dia que lhe permite “existir” e um projecto musical promissor. Conhecemos ainda o dono da sua editora clandestina e a relação que partilham, é-nos dado um sneak-peak do processo de elaboração das letras e melodia (quase sempre percussão e baixo sintetizados), da interação dos elementos da banda, e acompanhamos alguns concertos e tours, e focando-se Franz nos highs and lows destes regular joes de meia-idade que volta e meia passam semanas na estrada: a banda ainda mal se habituou ao sucesso e às noites mal dormidas e depressa regressa a casa. E, no caso de Williamson, à cena doméstica e familiar do comum mortal.
Este período de particular crescimento da banda culminará com a actuação em Glastonbury e a assinatura de um contrato com a Rough Trade Records (editora discográfica que fez sucesso com os The Libertines, The Strokes e Anthony and the Johnsons), e os mixed feelings envolvidos: Glastonbury seria, à data, a mais importante e exigente actuação da banda e ainda assim, a final, de regresso aos camarins, a voz que se ouve é a da filha de Williamson. Também o contrato com a Rough Trade é, em simultâneo, a concretização de um sonho, de um sentimento de pertença e de concretização e, simultaneamente, o fim de uma era dado o impacto que terá na relação que a banda mantinha com o seu editor até à data, considerado quase um seu terceiro membro.
Se compararmos com o anterior Sleaford Mods: Invisible Britain (de 2015, por altura das General Elections numa Inglaterra pré-brexit) de Paul Sng e Nathan Hannawin, a banda aqui é tida em mais dimensões ou contextos mais diversificados. Embora a arte dos Sleaford Mods seja de um certo protesto e os Sleaford Mods tenham uma importância e mensagem política, as letras meta-realistas e escatológicas de Williamson não são dissecadas nesse sentido senão de modo indirecto pelas reacções dos fãs locais; antes assistimos aos seus treinos vocais e de respiração, à preparação das letras, das tours, dos concertos, dando maior destaque aos méritos técnicos e artísticos de uma banda de duas pessoas em que uma delas se limita a carregar em botões, mas que na verdade movem multidões e superam as barreiras da linguagem, sempre contrastando a popularidade, virtudes e energia da banda com as frugalidades da vida familiar, com a realidade e o seu diminuto glamour, o que acaba por ser o retrato mais perfeito de uma banda que não tira os pés da terra, mesmo quando a terra é lama.