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A circularidade da câmara no movimento sexual dos corpos, o olhar sofrido e intenso de Hester (a protagonista feminina), a imponência musical dos violinos, a alternância rítmica entre vários pontos temporais da história… bastam os primeiros 10 minutos e percebemos logo que este regresso de Terence Davies, velha guarda do cinema britânico, está longe do convencional triângulo amoroso, com o suplemento da tentativa de suicídio, que é apresentado na sinopse. Pense-se na força poética e dramática de Atonement, também inglês, também com a II Guerra a surgir como pano de fundo, e há por aqui algumas semelhanças espirituais.
Hester é uma mulher infeliz, marcada por um casamento sensaborão com William, um homem apagado, entediante e muito conservador (“pareces o meu pai”, diz ela num dado momento), e pela troca por um jovem vivaço e aventureiro (Freddie), mas incapaz de lhe dar todo o amor que ela pretende e de que precisa. É no jogo criativo entre estas três personagens, na alteração forte do pêndulo sentimental reforçada pelos saltos temporais, que reside o poder desta história e que a afasta da banalidade. E, para que tal aconteça, são fundamentais as superlativas interpretações, com destaque natural para a divina Rachel Weisz, num papel tão sublime como no magnífico Fiel Jardineiro, mas sem esquecer o duo masculino, composto por Simon Russell Beale e Tom Hiddleston.
Deep Blue Sea é um filme sobre o amor, colocado entre a felicidade única e a tristeza profunda, entre o “profundo mar azul” e o “demónio”, mas também uma reflexão interessante sobre a memória. Em destaque estão as marcas do pós-guerra nos anos 50, particularmente evidentes na incapacidade de Freddie se desligar das recordações surpreendentemente saudosistas, mas num destino que é transversal a todo o trio. Por exemplo, a cena no metro, entre a beleza da resistência colectiva em período de bombardeamentos londrinos, reforçada pelos arrepiantes coros folk, e a solidão / abismo de Hester, é quase antológica.
Se, apesar de tudo isto, Deep Blue Sea não é uma obra-prima, será porque há na fase final uma certa teatralização excessiva que o afasta do magnífico realismo filosófico que é, até aí, imagem de marca do filme. Ou porque falta algum engenho para rematar todos os aspectos interessantes que vai apresentando ao longo da trama. Assim, e já não é nada pouco, é apenas um filme recheado de momentos muito, muito bonitos e que refresca e reinventa um género e uma história que, nas mãos erradas, tinha tudo para correr mal.