Partilha com os teus amigos
Eva No Duerme
Título Português: Eva Não Dorme | Ano: 2015 | Duração: 85m | Género: Drama
País: Eva No Duerme | Realizador: Pablo Agüero | Elenco: Gael García Bernal, Denis Lavant

1952. Eva Perón desaparece com apenas 33 anos, no auge da sua popularidade enquanto primeira-dama da Argentina e líder espiritual do país. Ciente do impacto da morte da esposa na população, Juan Perón decide mandá-la embalsamar pelo célebre Pedro Ara, um médico conhecido pelas suas técnicas de embalsamamento. O objectivo seria colocar o corpo de Evita (como era carinhosamente tratada pelo povo) em exposição permanente num majestoso monumento em Buenos Aires, o que permitiria perpetuar o fascínio, as homenagens e as demonstrações de devoção. Depois de embalsamada, Eva foi colocada em câmara ardente e vista por cerca de dois milhões de pessoas, que se alinharam nas ruas da capital argentina para um último adeus. Porém, antes da construção do mausoléu, Perón foi afastado do poder por um golpe militar, deixando aos seus opositores o corpo embalsado de Evita, que decidem fazê-lo desaparecer (bem como a todos os sinais e memórias do casal Perón). Em 1957, uma operação militar secreta transporta o corpo de Evita para um cemitério em Milão, onde é mantido numa sepultura com um nome falso até 1970, altura em que uma guerrilha peronista sequestra o ex-ditador Pedro Aramburu e tenta, sem sucesso, descobrir o paradeiro do corpo. Apenas a retoma do poder por Perón vem finalmente assegurar o regresso de Evita a solo argentino, onde foi enterrada, em 1974, no cemitério de La Recoleta em Buenos Aires.

Composta por três episódios – o embalsamador, o transportador e o ditador – Eva no Duerme é uma docuficção que reconstitui a peregrinação forçada do corpo embalsamado de Evita pela Europa até ao seu regresso à Argentina, 25 anos mais tarde. A sequência mais interessante é a primeira – o embalsamador, onde encontramos imagens bastante gráficas mas quase poéticas do processo químico a que o corpo é submetido, bem como um embalsamador meticuloso (Ara interpretado por Imanol Arias) que utiliza toda a sua arte para preservar uma beleza intocada pela morte, num acto reverente e quase fetichista. A sequência seguinte – o transportador (Denis Levant interpreta um militar de alta patente que é encarregue de roubar o corpo) é bastante crua, focalizando-se mais numa discussão masculina de medição de forças entre o transportador e o seu assistente (que bebem copos sobre o caixote de madeira onde Evita é transportada) e não tanto na tarefa sinistra que estão a executar, descuidando não só o enquadramento histórico e social da situação, mas sobretudo o afectivo (não se observam, por exemplo, as reacções ao desaparecimento do corpo, há apenas uma ligeiríssima referência às velas que os descamisados de Evita deixariam à beira da estrada à medida que o corpo se deslocava, em sinal de que o acompanhavam na clandestinidade). Um salto brusco (de quase vinte anos) faz a transição para a última sequência – o ditador, que mostra, de uma forma demasiado teatral, a detenção e execução de Aramburu (Daniel Fanego).

Enfim, se a história que se conta é extraordinária (é até estranho que o cinema não a recupere com maior frequência), o filme não traduz a emoção que ainda desperta (não apenas para os argentinos) ou sequer evoca a dimensão de mito que lhe está associada. Apesar do trabalho de pesquisa do realizador Pablo Agüero (que se preocupou em conservar os factos históricos e pontuar o filme com imagens de arquivo e registos audio) e de um elenco encabeçado por Gael García Bernal, o argumento é pobre e resulta em pouco mais do que um trabalho sombrio (a fotografia pouco ajuda), com uma mensagem confusa, que tece um retrato tosco da história da Argentina através da icónica figura de Evita e do seu corpo sem vida. Eva no Duerme consegue até viver da magia do seu tema até ao seu final abrupto, mas deixa uma sensação de superficialidade e de potencial desperdiçado.


sobre o autor

Edite Queiroz

Partilha com os teus amigos