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Depois de filmar os quatro dos oito filmes da saga de Harry Potter, David Yates fortalece a sua ligação a J.K. Rowling, com uma prequela inspirada num livrinho da autora, intitulado Fantastic Beasts and Where to Find Them, atribuído a Newt Scamander, e com início em 1926.
Este invulgar rapaz inglês, desempenhado pelo também invulgar (mas encantador) Eddie Redmayne, expulso de Hogwarts devido, precisamente, a um acidente com monstros fantásticos, viaja até Nova Iorque com um objectivo incerto, carregando apenas consigo uma mala onde cabe todo um jardim zoológico de criaturas inexistentes. Na primeira deambulação pela cidade, encontra, por acaso, todas as personagens em irão originar a trama, nomeadamente, Jakob Kowalski, um no-maj (é um muggle, em americano) que, sem intenção, lhe abre a mala, permitindo que um dos bichos se escape, e Tina Goldstein, ex-Auror da Autoridade Mágica Americana (MACUSA) que, apesar de ter sido despedida das suas funções, se mantém em busca de distúrbios e de infractores. Na América não se brinca: o mundo mágico está em estado de emergência devido a incidentes inexplicáveis que têm vindo a aumentar os receios da população no-maj e a propaganda anti-bruxas, nomeadamente pela instituição liderada pela assustadora Mary Lou (na interpretação de Samantha Morton). É aliás, num discurso de Mary Lou que tem origem o encontro de Newt, Tina e Jakob. A ligação destas personagens é tão simples e primária que a conseguimos prever ao pormenor desde os primeiros instantes.
Devido aos esforços inglórios de Tina, Newt e os seus pacíficos monstros acabam inevitavelmente por ser acusados pela destruição que uma qualquer força oculta tem vindo a semear na cidade. Desta vez, e ao contrário do que acontece na história de Harry Potter, essa força não é humana (ou não é exactamente humana), nem é especialmente consciente ou maligna (nada é especialmente consciente neste filme). Sem querer revelar demasiado, digamos apenas que esta força oculta diz muito sobre os preconceitos e a segregação na sociedade dos homens. Afinal, se há coisa de que o filme faz bandeira (e em que é coerente) é em assinalar a falta de intencionalidade (e de maldade) dos animais. O homem, afirma Newt, é o animal mais nefasto de todos.
Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los aparece no seguimento dos últimos filmes da saga de Harry, em que o tom infantil fora trocado por um drama repleto de combates e mortes. Aqui, mais do que mortes temos, a impulsionar os acontecimentos e os movimentos das outras personagens, as acções tresloucadas opostas de Mary Lou e de Grindelwald (Johnny Depp): ela que luta contra o mundo mágico, ele que luta contra o outro. A haver alguma, talvez a lição a tirar seja a de ser aconselhável se repelirem os extremos: feiticeiros e no-majs podem perfeitamente viver em conjunto, mesmo que – parece que é essa a regra nos EUA – não se devam relacionar entre si. A América da liberdade é, sem surpresa, a América das restrições. Tina, por exemplo, perde o seu trabalho de Auror no MACUSA por repreender, perante um público de no-majs, Mary Lou, quando esta espancava uma das suas crianças adoptivas. Ora, esta deveria ter sido a acção mais louvável de toda a história, até porque destruiria as consequências desta violência, que são a força motora do filme.
O mundo de mágicos americanos é tão discrepante como o dos ingleses. Apesar de poderem cozinhar em segundos com o auxílio das varinhas, não as usam para a simples função de alimentar os monstros da mala de Newt; a facilidade com que se abrem as portas mais bem protegidas ou se roubam (e restituem) tesouros não pode deixar de levantar questões de intenção e de moral. Se o ser humano é o animal mais pérfido, porque não são todos os feiticeiros pervertidos pelo crime? Outro problema é o da noção de tempo e de espaço: se se pode fugir de um local para outro num instante, porque é que os feiticeiros se deixam alguma vez apanhar? E se há quem leia as mentes e preveja o futuro, como é que alguma vez são apanhados de surpresa? Se estas questões podiam facilmente ser esquecidas no mundo de Harry, pela harmonia e afeição criadas em torno da sua história, aqui elas piscam o olho ao espectador a cada inflexão da história (e, apesar de previsíveis, elas são muitas). Mas o que falta em coerência, sobra em efeitos especiais e planos mirabolantes. A imagem da Nova Iorque dos anos 20 a ser palmilhada e temporariamente destruída por monstros e feiticeiros é o ponto alto do filme. Se nos abstrairmos da história e nos tentarmos esquecer da música que inunda o filme (inserir música de romance aqui, inserir música de perigo aqui, inserir música heróica aqui, etc.), as imagens podem trazer-nos, ainda, alguma satisfação.
A simplicidade das relações humanas da história, a falta de intencionalidade das acções e a patetice de algumas cenas preserva algum do carisma infantil dos primórdios de Harry. No final, as personagens separam-se todas, ficando no ar uma promessa de reencontro: é preciso saber fazer render o peixe. Esperam-se mais quatro sequelas. Esperemos que não tragam apenas mais do mesmo.