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Cada vez mais o cinema mexicano dá cartas no circuito internacional e obviamente (ou não) não penso em realizadores consagrados como Guillermo del Toro, Alfonso Cuarón ou Alejandro Gonzaléz Iñárritu – três casos que conseguiram infiltrar-se com mérito no sistema do cinema Hollywoodiano. A afirmação estende-se a um grupo de realizadores relativamente jovem que tem revelado para o mundo um cinema de autor provocador, denunciador, intenso e tecnicamente perfeito, que se destaca nos mais relevantes festivais de cinema mundial, tal como Reygadas, Amat Escalante ou Michel Franco. No entanto, uma das críticas mais acesas a esta nova vaga cinematográfica é a constante representação (para muitos pornográfica) da realidade mexicana, onde os temas da violência, misoginia, prostituição infantil, tráfico de droga ou corrupção são recorrentes.
Como contraponto desta representação alvo de algumas polémicas, mas sem esquecer a qualidade estética e técnica, Güeros – a primeira obra de Alonso Ruiz Palacios – afirma-se como saudosista e idealista, com alguns laivos de humor auto-crítico que tentam enaltecer a essência cosmopolita da Cidade do México e revisitar um passado recente, através da polémica greve estudantil, reconhecida como Huelga estudantil de la Unam, que proclamava o direito ao ensino superior, não importando a origem ou o status social. Güeros tem sido de uma forma merecida proclamada e ovacionada em todos os festivais que participou, como comprova a sua consagração como melhor primeira obra na última edição do Festival de Berlim.
Güeros significa preto branco e, apesar de à primeira vista ser um título abstracto, a palavra simboliza o contraste dos dois irmãos protagonistas da história: Sombra e Tomás, um mestiço e um loiro, facto cria uma constante estupefacção por parte das outras personagens por tamanha diferença. Um simbolismo de contornos históricos e culturais que invoca a própria miscigenação do México, perpetuado por um luminoso preto e branco que enaltece a beleza deste contraste. A sua interessante introdução indicia a razão da força motora da história – uma mãe completamente desesperada com o choro constante do seu filho, que nos remete ao prólogo de um drama de contornos sociais, mas no entanto esta percepção é esmagada quando mãe e filho andam pela rua e o bebé é atingido por um balão de água, tornando-se claro que não estamos frente-a-frente de um retrato neo-realista ou social do México, mas sim frente-açfrente de um drama leve sobre o início da vida adulta. Tal acidente dita a sentença de Tomás (um dos autores da partida de mau gosto) de passar uma temporada com o seu irmão mais velho Sombra. Uma penalização leve e compatível para um “crime” inconsciente, pois o irmão mais velho é um estudante universitário completamente alienado do que se passa à volta (a tal greve) e espera de uma forma contemplativamente passiva o seu término.
Palacios parece ser um realizador corajoso e ambicioso, direccionando a sua história em duas premissas interessantes: simultaneamente mostra o impacto social da greve e filma uma viagem pela busca do paradeiro de um músico errante e quase desconhecido chamado Epigménio Cruz, o músico preferido do pai dos jovens, que segundo a “lenda” poderia ter salvo o rock nacional e fez Bob Dylan chorar ao ouvi-lo. No entanto, o argumento perde-se e dispersa-se no meio destes dois universos, nunca atingindo uma plenitude ou união narrativa, arrastando-se por alguns momentos meramente estáticos ou inconscientes. Este senão ao nível do argumento é a principal razão de Güeros não ser uma obra-prima ou de estar lá muito perto, associado ao facto sofrer de alguma carência de originalidade narrativa, sendo visível uma certa obsessão pela nouvelle vague, sendo impossível não ser associado a histórias como Tu e Eu e Os Sonhadores, ambos de Bernardo Bertolucci, ou a pérola cinematográfica mexicana La Temporada de Patos de Fernando Eimbke, uma deliciosa trama sobre a adolescência e também dona de uma bela protuberante fotografia a preto e branco.
Para contrapor as críticas anteriormente mencionadas, Güeros é uma experiência visual e sensorial belíssima, nomeadamente devido à sua fotografia e um conjunto de técnicas cinematográficas tão bem dominadas, onde a destreza não se sobrepõe à emoção. Em pleno séc. XXI (onde a inovação torna-se parca) Palácios filmou uma das cenas mais sensuais dos últimos tempos, servindo-se apenas de um longo plano de um beijo, uma façanha digna de nota dada a subtileza e subversão da cena. Um conjunto de qualidades que salvam a obra da mediocridade e a elevam um pouco acima da média, conseguindo dar a conhecer ao mundo (com dignidade) outra tipologia do cinema de origem mexicana, talvez de cunho mais comercial, digna de registo e de qualidades irrepreensíveis.
Crítica de Paulo Lopes
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)