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Elisabeth Moss parece ser a actriz do momento. Nenhuma figura feminina conseguiu, nos últimos anos, produzir a mesma sensação que a intérprete da badalada série da Hulu The Handmaid’s Tale, agora na terceira temporada (enumeramos aqui algumas razões para a ver), que apesar de ter vindo a distanciar-se da narrativa proposta por Margaret Atwood no romance homónimo continua cativante e a provocar um sentimento de identificação um pouco inquietante. Her Smell chega envolto nesse hype em torno da protagonista, conduzindo-nos à sala de cinema quase exclusivamente pelo cartaz – inundado pelo olhar azul de Elisabeth Moss no papel de uma diva punk rendida aos seus piores impulsos, num revivalismo evidente do showbiz embriagado dos anos 90.
Convém relembrar que o fenómeno Elisabeth Moss não nasceu com este filme, nem com a sobejamente conhecida Mad Men, nem com a série acima citada, nem sequer com o projecto de Jane Campion que, embora excelente, nos passou relativamente despercebido e que dá pelo nome de Top of The Lake, da BBC. A sua capacidade interpretativa tem-se firmado de forma discreta ao longo de todos os seus projectos, maioritariamente televisivos, impondo-a como actriz capital da sua geração. Neste Her Smell, dirigido pelo jovem Alex Ross Perry (que também produz e assina o argumento), Moss interpreta Becky Something, personagem escondida por detrás de um pseudónimo que anuncia a trajectória clássica de ascensão e declínio de uma estrela (supostamente inspirada na figura de Courtney Love), ao estilo das tragédias icónicas de Jim Morrison ou Kurt Cobain. Mas há algo diferente em Becky – desde logo, o facto de se tratar de uma mulher, que é também mãe, e a estranheza provocada pelo facto da atracção pelo abismo não produzir nela o efeito suposto numa qualquer fêmea com as suas respectivas responsabilidades. Desde os primórdios da formação da banda em questão, os Something She, vamos assistindo aos sucessos e pouco depois dissabores da banda perante os impulsos da sua líder espiritual e vocalista, errante e decadente, alheia à condição feminina e ao impacto do seu comportamento nos mais próximos, no par romântico indignado e na sua descendência frágil.
Não poderá dizer-se que estejamos perante um produto novo, sendo muitos os objectos cinematográficos que abordaram, de uma forma biográfica ou ficcionada, os bastidores da fama ou os devaneios, metamorfoses e quedas de vultos da pop e do rock – este é só um exemplo, que transpõe para o feminino um percurso de auto-destruição semelhante ao que assistimos em The Doors (de Oliver Stone, sobre Jim Morrison e os Doors), Control (de Anton Corbijn, sobre Ian Curtis e os Joy Division), Walk the Line (James Mangold, sobre Johnny Cash) ou mesmo Bohemian Rhapsody (de Bryan Singer, sobre Freddy Mercury e os Queen). Mas nesse sentido, o filme oferece uma análise inversa de uma personagem clássica – a estrela em decadência – transferindo-a do masculino para o feminino e assinalando as particularidades necessariamente arrastadas por esse deslocamento, nomeadamente as obrigações da anti-heroína enquanto mulher, companheira e mãe. Trata-se por isso de uma composição tingida de constrangimentos de género, que propõe um quadro bem diferente do que estamos habituados em filmes desta natureza.
Tendo em conta que Elisabeth Moss é o nome à cabeça do elenco, podemos contar com estudo de personagem (que nunca verdadeiramente se aprofunda, mas não deixa de ser interessante enquanto proposta) e sobretudo com um show de representação (e de transformação física e psicológica), ao mesmo tempo vulnerável, descompensado e arrebatador, que não apenas salva o filme da banalidade temática, mas o eleva, até certo ponto, a um exercício de estilo de representação que não pode ser ignorado – uma rapariga que interpreta um rapaz que na realidade é uma rapariga. Em plena silly season, Her Smell é o espírito (feminino) de um certo tempo, e talvez o único título que vale a pena visitar nas salas de cinema.