//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Em Abril de 2013, enquanto o Reino Unido debate a vida e a morte de Margaret Thatcher, Andy Jones, um cineasta independente que acabara de perder a mãe, toma conhecimento da morte de Bi Kidude, a cantora mais velha do mundo, que ele descobrira anos antes, numa visita a Zanzibar. Esta história, diz-nos Andy, num microfone de estúdio e olhando directamente a câmara, começa pelo fim, pela morte da sua protagonista. Mas recorre, contudo, a todas as gravações que o próprio acumulara durante anos, como que à espera do trigger que despoletasse o seu segundo filme sobre a “rainha de Zanzibar”. A rebeldia desta mulher centenária, que passa os dias a beber, a fumar, a cantar e a dançar, fascinara-o e inspira-o, no passado, a dedicar-lhe um filme: As Old as My Tongue (2007). Desde aí, participaram em tournées em conjunto, visitaram-se e, apesar de Andy admitir não compreender uma palavra do que a outra dizia, tornaram-se amigos. “Bi Kidude is dead; I shot Bi Kidude” é o mote para a narrativa que se seguirá.
Após este preâmbulo, a história recua até alguns meses antes, em 2012. Depois de três anos sem ver Bi Kidude, Andy recebera um email alertando para o seu possível rapto, por um familiar que supostamente ninguém conhecia, o que o obriga a regressar a Zanzibar, em busca da verdade. Já na ilha, o mistério adensa-se. Os amigos e colaboradores de Bi Kidude mostram-se surpresos pelo desaparecimento da estrela do festival “Busara”, aparentemente querida por todos. O seu sobrinho argumenta, por outro lado, e diante da televisão nacional, que fora a tia quem lhe pedira que a resgatasse de uma casa sem condições, onde se encontrava em grave estado de saúde. A casa de Baraka é pobre, mas decente, e lá Bi Kidude poderá viver o resto dos seus dias com os cuidados que uma anciã merece. Além disso, insiste o sobrinho, o êxito da tia nunca lhe trouxera qualquer recompensa financeira: o seu intermediário, e género de agente musical, Busara, controlava-lhe o dinheiro, o passaporte, e as ligações ao estrangeiro. Bi Kidude estivera, portanto, cativa daqueles que se diziam seus amigos e que unicamente lucravam com o seu sucesso.
Entrevistando uns e outros, Andy vai desenrolando o novelo da verdade, que é, na verdade, o novelo de uma multitude de versões que, passo a passo, se vão progressivamente aproximando. Baraka era, de facto, o familiar mais próximo de Bi Kidude, que tinha estado realmente doente, após uma digressão europeia. Apesar das apreensões (pelo menos a posteriori) de alguns, continuara os espectáculos que estavam estipulados e voltara a casa destruída. Aqueles que deveriam ser responsáveis pelo seu amparo, não a serviram correctamente, quer por falta de vontade, quer por falta capacidade. Baraka tivera razão em retirá-la daquele ambiente, poder-se-á argumentar, mas assim que consegue estar a sós com Andy, Bi Kidude pede-lhe para ele a levar de volta à cidade e à vida. Ser explorada pode ser uma realidade (e por vezes entende-se que a cantora tem consciência disso), mas é também o preço a pagar pela vida. Não pela sobrevivência, que cama, comida e família proporcionam, mas pela vida que só a música lhe concede.
Andy eventualmente convence Baraka a deixar a tia ir visitar os amigos à cidade. Em conjunto com outras mulheres do seu grupo, Bi Kidude volta a cantar e a dançar. Nas caras de todas, uma felicidade implausível. Enquanto a velha graceja e demonstra a alegria extrema que volta a sentir com a música, o convívio, mas também com a lisonja, as outras brincam e bajulam-na, como se de uma criança, destinada a rainha, se tratasse. É difícil sentir aquele encontro como natural; é difícil acreditar que se passaria exactamente assim sem a câmara de Andy em riste. Assim como é difícil entender que, no decorrer do festival anual de “Busara”, Bi Kidude seja levada ao palco, como surpresa musical, para não se demorar lá mais do que um minuto e lhe ser retirado o microfone da mão por uma das suas pupilas. A vontade de se mostrar viva contrasta com a demanda do ritmo do espectáculo. A verdade é que, após esta reaparição na vida pública, Baraka e Busara fumam do cachimbo da paz e decidem dividir as responsabilidades (e os dividendos) da carreira e da vida de Bi Kidude.
Mais tranquilo acerca do futuro da cantora, Andy volta ao Reino Unido para ver a mãe morrer e, logo depois, regressar a Zanzibar para o enterro de Bi Kidude. Sem nunca nos clarificar a sua opinião quanto à exploração a Bi Kidude fora sujeita, conclui que a verdade não é mais do que um aglomerar de pontos de vista e de opiniões. Certamente que todos se terão aproveitado da “rainha”, do seu sucesso e da sua força de viver; se quisermos forçar o ponto, a indústria musical tira sempre proveito das suas estrelas, e o mesmo acontece na indústria cinematográfica. Ainda assim, é preciso não esquecer que também Bi Kidude tirava partido da bajulação em seu torno e que, para além de cantar e de dançar, ela apreciava fazê-lo com, e para, os outros. Como tão bem foi dito algures, “you might be a rock ‘n’ roll addict prancing on the stage (…) you’re gonna have to serve somebody”.
Além de uma bonita história sobre uma diva quase desconhecida, em seguimento de As Old as My Tongue, o realizador retrata de forma delicada, ainda que, por vezes, num tom sensacionalista, as disputas e as dificuldades do meio artístico e, um pouco por acaso, os embaraços e as cedências da vida comum. É quando envelhecemos, diz alguém, olhando a câmara, quando o documentário finca o pé e aborrece um pouco o espectador, que mais precisamos de estar contentes. Transportando para segundo plano todas as motivações alheias das personagens secundárias desta narrativa, lembremo-nos que, em companhia e a cantar, Bi Kidude parecia sempre alegre e viva. Também o espectador irá sorrir ao ouvir e ver dançar a música da rainha de Zanzibar.
| Filme exibido em conjunto com Armazém do Limoeiro no MUVI – Festival Internacional de Música no Cinema 2016.