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Frequentemente encaramos o desporto como uma actividade democrática, somando inúmeras histórias de ascensão sócio-cultural de atletas bem sucedidos. Nos EUA em particular, é repetidamente porta de saída de meios menos privilegiados, com reconhecidos programas académicos apoiados por bolsas de mérito desportivo para os mais jovens. Foi com tal possibilidade de futuro que a mãe de Tonya Harding investiu na sua formação aos 4 anos de idade, incutindo na filha uma dedicação e paixão pela patinagem artística.
O realizador Craig Gillespie conseguiu, uma vez mais, criar um delírio que desperta o nosso lado mais humano – quem não se lembra de Lars and The Real Girl (2007)? I, Tonya é em igual medida um conto sobre sonhos, sobre uma força da natureza, sobre uma mulher indomável e ainda sobre a inexplicável capacidade de auto-destruição que tantas vezes determina o nosso rumo.
Figura controversa e popular nas décadas de 1980 e 90, Tonya nunca escondeu as suas raízes humildes, assumindo-se orgulhosamente redneck. Numa modalidade que prima pelo glamour, isto tornou-se problemático e acabou por influenciar a apreciação de júris em competição. Apesar de, no fundo, ser o perfeito espelho da América real e que o país teima não encarar. Em I, Tonya acompanhamos a patinadora desde sempre, assistindo às vitórias marcantes e à sua queda, amplamente provocada pelo preconceito social e pela influência dos média sedentos de escândalo e sangue.
Margot Robbie interpreta majestosamente o papel principal. A forma como mergulha e desaparece nas personagens é sempre refrescante. Neste filme, em particular, vemos Margot a crescer com Tonya, na entrega e dedicação, uma jovem que oscila entre a glória do sucesso e um tecido familiar violento, mas que na entrada na idade adulta consegue emancipar-se e encontrar a força essencial para abandonar as relações tóxicas. De entre as quais a própria patinagem artística, num aparente acto de auto-sabotagem por alegados problemas com atacadores. Em I, Tonya são vários antagonistas, o azar e a traição parecem persegui-la, e desistir foi a solução final?
A mãe (pela actriz Allison Janney) é a âncora que mais pesa, por ver na violência e na agressão o combustível do sucesso. Até ao último momento tenta controlar o destino de Tonya, numa contradição absurda ao desejo de glória que pretende realizar através da filha. O objectivo é claro: que tenha uma vida melhor que a sua, custe o que custar.
Em tom ácido e com laivos de comédia negra, a história é baseada em factos verídicos e suscita imensa incredulidade, tal o absurdo dos detalhes e protagonistas. O registo mockumentary recria, porém, momentos 100% reais e que rapidamente podemos encontrar no Youtube. Tratam-se de entrevistas e notícias de época dos canais de televisão que reportaram a louca sequência de eventos, que acabariam por culminar no afastamento da atleta da modalidade.
I, Tonya é, sobretudo, um ponto de viragem no género. Há muito que a indústria se apaixonou por recriar grandes feitos desportivos, mas nunca desta forma. Desta vez o retrato central não é de um homem, nem tão pouco uma mulher a tentar demonstrar que é melhor que o par masculino (sim, estou a referir-me ao Battle of the Sexes). O filme é rápido e feroz, tal como a sua protagonista, capaz de esventrar gelo com lâminas afiadas e de transitar para o boxe quando viu a carreira interrompida.