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Título Português: A Caça | Ano: 2012 | Duração: 115m | Género: Drama, Thriller
País: Dinamarca | Realizador: Thomas Vinterberg | Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Annika Wedderkopp

Há filmes que, pela sua complexidade dramática, nos induzem a acompanhar de forma mais forte as personagens, a sentir as suas angústias de forma apertada e consistente, a sair do cinema com elas dentro de nós. É o que sucede, em muitos dos filmes de  Lars Von Trier, frequentemente por via da compaixão. Thomas Vinterberg é também dinamarquês, um companheiro de armas em termos cinematográficos e apresenta aqui uma obra que leva essa ideia mais além, fazendo com que tenhamos uma compreensão e uma relação de proximidade com todas as personagens principais, independentemente da justiça dos seus actos

O título do filme, A Caça em português, usa o hobby de grande parte dos homens desta comunidade como metáfora para a verdadeira caça de que é alvo Lucas, a personagem principal (no papel de uma vida de Mads Mikkelsen). Ele é um homem de meia-idade, divorciado, antigo professor, a refazer a sua vida como funcionário de um jardim-de-infância onde os miúdos o adoram, com uma nova namorada e prestes a recuperar a custódia do filho. Contudo, tudo desaba quando uma criança, filha do melhor amigo de Lucas e com uma curiosa fixação por ele, inventa uma história com indícios de abuso sexual. Está criado o rumor profundo, total, irreversível, capaz de arruinar uma vida com base na inocência inabalável de uma criança (a quebra de convenções).

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Depois da pedofilia real de Michael ou possível de The Doubt, dois belíssimos filmes, temos aqui a falsa pedofilia, sem que Vinterberg tenha, se exceptuarmos alguns pormenores subliminares, quaisquer pretensões de criar grandes dúvidas no espectador. O objectivo é antes, dentro de um certo fatalismo, fazer-nos compreender as várias posições deste pesadelo humano, sem julgarmos de forma precipitada a atitude de quem quer que seja. Estamos com Lucas e Marcus (pai e filho), mas também não criamos anti-corpos contra Klara (a miúda acusadora) ou os seus pais, os amigos que condenam sumariamente Lucas (em contraponto com os poucos que o ajudam) ou a directora do jardim-de-infância, que despoleta todo o processo público e judicial. Ficam algumas dúvidas sobre os excessos mais sensacionalistas dos momentos no supermercado, mas o epílogo dessas cenas tem uma força que é dificilmente questionável.

A Caça podia facilmente acabar mais cedo. Quer dizer que se estende em demasia, que não sabe escolher o momento para o desenlace? Longe disso… significa apenas que os arrepiantes 20 minutos finais têm em si mesmos vários clímaxes, como a avassaladora cena da igreja, com uma assombrada e devastadora missa do galo, ou a pesada e monumental troca de olhares entre Theo e Lucas numa espécie de consoada alternativa. Momentos que só potenciam e aumentam o poder do fecho, encerramento natural de uma metáfora profunda e amargurada.

Nesta parte final, Theo comenta com a filha (ou muito mais para si mesmo) que o mundo está cheio de maldade e que era necessária muita solidariedade entre os homens para a diminuir. Não há um pingo de ironia nesta frase, mas de um idealismo desencantado ou perdido. É, tal como sucede com Amour em temas, contextos e horizontes completamente distintos, uma espécie de murro no estômago de proporções tremendas. E a mensagem em aberto de um filme enorme.


sobre o autor

Joao Torgal

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