Partilha com os teus amigos
Le Divan de Staline
Título Português: O Divã de Estaline | Ano: 2016 | Duração: 92m | Género: Drama
País: França/Portugal | Realizador: Fanny Ardant | Elenco: Gérard Depardieu, Emmanuelle Seigner, Paul Hamy

Inspirada no livro homónimo de Jean-Daniel Baltassat, a terceira longa-metragem de Fanny Ardant como realizadora centra a sua acção num palácio de campo para onde Estaline, já envelhecido e de saúde fragilizada, se muda durante três dias para descansar. Numa das salas desse palácio encontra-se o divã que pertencera a Freud e onde este costumava ouvir os seus pacientes. Apesar de considerar o pioneiro da psicanálise “um charlatão” e as suas ideias como “lixo burguês”, o ditador soviético deita-se todos os dias nesse divã, onde revela os seus sonhos à amante de longa data, Lídia, para que ela os interprete. Esta, apesar de conhecer Estaline como ninguém, revela por ele o mesmo temor que todos os militares e empregados que o rodeiam. Outrora uma idealista, Lídia tem consciência de que já perdeu a sua alma e limita-se agora a servir os interesses do homem perante o qual todos se agacham. Há, no entanto, uma personagem que vem despertar nela uma espécie de desejo redentor: trata-se de Danilov, um jovem artista que se encontra alojado nas imediações do palácio e que Lídia escolheu para criar um monumento que eternize a figura do líder soviético. Enquanto aguarda ser recebido por Estaline, Danilov é alvo de interrogatórios e de forte vigilância por parte das autoridades, para que seja possível avaliar até que ponto ele é leal ao regime e merecedor de criar a obra para a qual foi escolhido.

Com uma atmosfera simultaneamente austera e onírica, O Divã de Estaline (filmado em Portugal, no Palácio Hotel do Bussaco) é uma fábula política sobre a figura do líder soviético e a relação que, numa ditadura, se estabelece entre o poder e a arte. Ainda que procure ser fiel a uma figura histórica e à época em que viveu, a realizadora não esconde o carácter metafórico da sua obra. Há, até, um momento no filme em que uma foto do verdadeiro de Estaline é confrontada com a do ator que o interpreta (Gérard Depardieu). Essa sequência, em vez de menorizar a credibilidade da história, serve para sublinhar o seu propósito. E o que interessa a Fanny Ardant, como a própria referiu em entrevista, é mais a verdade do que a realidade. A verdade sobre um homem obviamente cruel e solitário, porque é isso o que se torna qualquer humano tratado como um deus e a quem seja reconhecido o direito de decidir, de forma completamente aleatória, quem é que merece viver ou morrer. Um homem consciente de que toda a gente lhe mente, mesmo aqueles que lhe são mais próximos, e que, no entanto, não admite que a sua voz seja questionada ou que as suas expectativas não sejam antecipadas, como se houvesse uma coerência evidente no seu comportamento ou nos seus desejos. Um homem que impunha medo a todos os outros, mas que era, também ele, vítima do sentimento que impunha. Porque nem um ditador deixa de temer a traição de quem lhe é próximo, a morte ou as limitações que o tempo lhe pode trazer ao corpo e à mente.

E aqui há que dar mérito a Gérard Depardieu. É ele, com a sua interpretação exemplar, que confere unicidade a todos os elementos da história. Dar vida a uma figura como Estaline pode ser um desafio estimulante, mas também uma armadilha para qualquer actor, pois facilmente a sua interpretação poderia escorregar para a caricatura ou para o overacting. Mas neste filme, em todos os momentos em que se encontra em cena, esteja fardado ou despido, em manifestações de paranoia ou de intimidade, Depardieu consegue transmitir autenticidade a um personagem que Fanny Ardant descreveu, e bem, como “monstruosamente humano”.


sobre o autor

Luís António Coelho

Partilha com os teus amigos