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Les Beaux Jours d’Aranjuez
Título Português: Os belos dias de Aranjuez | Ano: 2016 | Duração: 97m | Género: Drama
País: França | Realizador: Wim Wenders | Elenco: Reda Kateb, Sophie Semin, Jens Harzer

O Verão, um dia perfeito, Lou Reed e uma câmara sobre uma Paris deserta: é assim que Wim Wenders introduz a sua encenação do texto de Peter Handke, com quem já tinha colaborado em Falsche Bewegung (1975) e Der Himmel über Berlin (1987). A cidade mantém-se virtualmente despovoada enquanto a câmara se afasta até um jardim de uma casa de campo burguesa onde, em frente das portadas do escritório de um escritor, numa mesa debaixo das árvores, um homem e uma mulher falam. O escritor, julgamos compreender, imagina a presença dos outros dois e imagina-lhes, sobretudo, um diálogo tão circular quanto o movimento da câmara de Wenders. Aquilo que vemos e ouvimos é porventura a encarnação das palavras que vai cravando na máquina de escrever. O artista, possivelmente em crise, sozinho por entre prateleiras de livros e de recordações, murmura, ora em francês, ora em alemão, um monólogo que se materializa em diálogo e, argumentemos, novamente em monólogo. Será o texto de Handke que nasce naquele quarto com vista de Paris, ou será Wenders a interpretar a criação do outro?

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As personagens, encenadas ou imaginadas, jogam ao jogo do ennui, da recusa da acção em troca de palavras descritivas de memórias ou de sonhos, sem recurso a sins e nãos, a desconversas, a movimentos. O êxtase que Semin experiencia ao recordar um passado íntimo possível não tem nunca reflexo no espectador que, sem esforço, se esquece da contingência do diálogo de verão nos momentos em que o escritor se levanta e se dirige à jukebox. As pausas em que a música soa são ilhas por entre o mar de ennui estático a que Wenders força a encenação. Ou talvez sejam as ilhas do próprio processo criativo do escritor e do encenador. É numa dessas idas à jukebox que a música se transforma em movimento, em acção, num Nick Cave na penumbra da sala que dá para o jardim, como que a negar a inacção das personagens que o ouvem lá fora.

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O jardim idílico, onde nada se passa, não chega a contrastar com a vida de excessos da cidade, ao longe, porque nunca sai do domínio do sonho. Do sonho das personagens que se pensam fora da vida por se trancarem em imagens do passado, ou do sonho do escritor que se esquece que é contra a acção exterior que a palavra interior mais se acende. Para que nada distraia os protagonistas na sua arte de não fazer nada, Wenders fixa-os em planos longos, em travellings que vão da janela à mesa, num sentido e no outro. A curiosidade maior vem do facto de utilizar o 3D para unir os jeitos teatrais de Sophie Semin e os “raconte” sinuosos de Reda Kateb ao movimento das folhas tocadas pelo vento. Enquanto a câmara roda lentamente à volta da mesa, a atenção do espectador é muitas vezes roubada pelos acenos do meio ambiente que, ao contrário das personagens, não parece acreditar que o mundo parou naquele dia de verão. Enquanto ela fala de sensações relativas ao sexo e ao amor e ele fala de Aranjuez, a nossa atenção foge para a natureza, incapaz de fingir um interlúdio da vida. Os sons dos pássaros e dos insectos marcam o passo da realidade, tanto na cabeça do escritor, como na sua obra. Assim se salva a arte hermética que, à semelhança da câmara que estuda os espaços em volta da mesa, se olha e se reflecte na sua incapacidade de algo novo. A exortação ao tédio na linguagem – a visual e a verbal – é certamente suficiente para criar um filme, mas não chega para cumprir o augúrio de perfeição de Lou Reed. Louve-se, ainda assim, o esforço da empresa.


sobre o autor

Ana Ferraria

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