//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
O amor em Paris, é disto que trata o filme de Christophe Honoré (também autor do argumento), um inusitado musical negro que relata uma história de amor a três. Com a cidade das luzes em pano de fundo, este seria o cenário ideal para uma reflexão sobre a paixão, o amor verdadeiro (e a exclusividade a que este compele mesmo os menos convencionais), mas um imprevisível revés poderá sugerir outras leituras. Dividido em três capítulos, Les chansons d’amour é sobretudo um filme de canções (da autoria de Alex Beaupain, vencedor de um César por este trabalho), onde Honoré utiliza a música como ferramenta narrativa dominante, ilustrando – não apenas nas palavras, mas na ambiência criada pelas melodias – o espírito de cada personagem e os afectos que os incidentes vão impondo. Ludivine Sagnier interpreta Julie, a namorada moderna e independente, secretamente frágil e insegura e Clotilde Hesme (companheira de cena de Garrel em Les amants réguliers, também de Honoré, e que actualmente integra o elenco da espantosa série do Canal+ Les Revenants) veste a pele da irreverente Alice, que entra na relação a convite do casal. No vértice deste triângulo amoroso consentido, encontramos Louis Garrel (expoente máximo dos actores franceses da sua geração), o enfant terrible convertido em adulto responsável e amante descomprometido. Adorado por Julie e pela família (que se diverte com as suas piadas teatrais e observações sarcásticas), Ismael é uma personagem altiva, algo egoísta e impenetrável. A sua transformação será o motor da história.
O primeiro capítulo debruça-se sobre a perda. Ismael e Julie abrem a relação a uma terceira pessoa, não por monotonia ou um desejo incontrolável de novidade, mas apenas… porque sim. Os primeiros momentos do filme – numa atmosfera nocturna e jovial, com o trio a cantar pelos becos de Paris – apresenta-nos já este facto consumado, não permitindo conhecer as verdadeiras razões desta configuração romântica, mas pressente-se que a relação a três se reveste de uma certa trivialidade e ausência de emoção e, simultaneamente, de alguma tensão e desconforto. Ironicamente, o destino liberta-os do conflito que silenciosamente se vai instalando, presenteando-os com desafios maiores.
No segundo capítulo contemplamos a ausência. O efeito da morte absolutamente repentina de Julie é devastador para Ismael e ele finalmente revela as fragilidades mascaradas pelo seu comportamento distante e taciturno – entre elas, a consciência de um amor imenso que parecia esmorecido. Na Paris cinzenta e chuvosa, as canções tornam-se melancólicas. O especto de Julie canta sobre um amor que chegou tarde demais, enquanto a sua família se debate com a tragédia, Ismael luta por se reencontrar e Alice se afasta (por não saber o que fazer) e se envolve com outra pessoa. O irmão de Alice, Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet) tenta em vão aproximar-se de Ismael, cada vez mais cerrado num luto cujas consequências não antecipava. A perda de Julie revela-se muito mais do que isso e origina um questionamento profundo, de identidade e de rumo.
Chegamos por fim ao derradeiro momento do retorno. Nas canções, o amor é comparado a uma maça de aspecto delicioso com o interior putrefeito. Mas o desnorte e tristeza de Ismael são vencidos pelo interesse e cuidado de Erwann, um jovem estudante “que ama pela beleza do gesto”. Honoré filma esta aproximação com enorme delicadeza, apresentando-a como natural mas sem a trivializar, expondo-a antes como uma espécie de tábua de salvação emocional – não haverá nada mais romântico. Mas Ismael aprendeu que o verdadeiro amor acarreta a inevitabilidade do infortúnio e a perda. Haverá forma de quebrar um ciclo que se repete?
O aspecto fascinante de Les chansons d’amour (e que o imprime na memória perante a passagem do tempo) é o tratamento não cogitativo a que Honoré submete a narrativa, apesar da carga moral e afectiva das questões envolvidas. No fundo, esta é uma tragédia existencial transformada num romance moderno ligeiro, conduzida pela leveza das canções (muito simples, contudo notáveis), com uma pitada de humor e um toque de cinismo (ou talvez mais) que, no seu desfecho, transporta ainda uma nota de ânimo para os descrentes. A certeza nos amores eternos e inabaláveis é uma quimera romântica imemorável, mas os inflamados amores não resistem, na sua maioria, ao duro teste do quotidiano: A conclusão de Ismael sintetiza o pragmatismo do amor que verdadeiramente nos serve, por oposição ao ideal inatingível que apenas pode desapontar: Ama-me menos, mas por mais tempo. E se possível, em Paris.