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O Cônsul de Bordéus
Título Português: Cônsul de Bordéus | Ano: 2011 | Duração: 90m | Género: Drama, Histórico
País: Portugal | Realizador: João Correia e Francisco Manso | Elenco: Vítor Norte, Carlos Paulo, João Monteiro

Fazer um filme sobre Aristides Sousa Mendes, figura ainda consideravelmente desconhecida de muitos, seria sempre um objectivo louvável. Por outro lado, a forma como o cônsul pôs o humanismo à frente das ordens de Salazar e dos interesses pessoais, acabando destituído e financeiramente debilitado (ao contrário do que, numa lamentável tentativa de reescrever a história, foi insinuado há uns anos por José Hermano Saraiva), é matéria suficientemente forte para gerar uma obra cinematográfica interessante e estimulante. Finalmente, não sendo nada de particularmente original, a ideia da narrativa ser contada através das memórias de uma personagem secundária é uma estratégia teoricamente aliciante. Juntando tudo isto, fica a pergunta: porque é que O Cônsul de Bordéus é um filme tão fraco? Em linhas gerais, porque é tudo, mas tudo, tão simplório e desinspirado.

Aaron Apelman é um miúdo polaco, com origens portuguesas, que, no contexto da invasão alemã da II Grande Guerra, foge para França com a irmã Esther e com um bebé entregue no momento da partida. É através dele, maestro na actualidade, e de uma entrevista dada a uma jovem jornalista, que vamos acompanhando a trama. Quando chega a Bordéus, Aaron perde-se da irmã e encontra milagrosamente um rabino profundamente altruísta, que recebe inúmeros refugiados judeus na sinagoga local. É nesta fase que entra a figura de Aristides Sousa Mendes (Vítor Norte) que, desobedecendo a uma directiva política que impedia a autorização de vistos para Portugal a judeus, decide salvar todos quanto pode do anti-semitismo germânico.

Em vez da complexidade e da riqueza narrativa que deve orientar todo o filme histórico (e não só), João Correa e Frederico Manso optam exactamente pelo caminho oposto. Temos diálogos de uma banalidade constrangedora (por exemplo, o momento em que Mendes diz “há pessoas em risco de vida e está preocupado com o gelo no whisky?” é tão pouco credível) e personagens desprovidas de qualquer dimensão psicológica, resumindo-se globalmente à santificação épica de Mendes e à divisão clara entre bons e maus, consoante as posições que tomam. Situações aliciantes, como o dilema ético / legal do cônsul na fase da indecisão ou a paixão de Aaron pela música, são introduzidas e despachadas de forma tão precipitada que não deixam rasto.  Assim, juntando estes aspectos a uma fotografia muito artificial, a tons melodramáticos absurdos ou a um twist final a roçar o ridículo, o resultado é uma profunda desilusão. E ainda nem foi referida a inverosimilhança de, passando-se o filme em França e abordando judeus de diversas proveniências, ter toda a gente a falar em português… excepto o Aaron adulto que, embora falasse um português perfeito aos 14 anos e tenha ido para a Venezula com pais adoptivos portugueses, não “habla” uma única palavra da língua materna (?!).

Enfim, O Cônsul de Bordéus fica-se apenas por uma ideia simpática de homenagem, complementada na prática por uma obra que, do ponto de vista cinematográfico e até pedagógico (quase não se aprende nada), é profundamente pobre. Tome-se como exemplo recente Florbela, de Vicente Alves do Ó, e veja-se como é possível fazer uma obra requintada, interessante e complexa sobre uma personagem importante do passado português (à escala internacional, deve-se evitar citar a obra-prima Schindler’s List, porque qualquer tentativa de comparação é uma heresia). Assim, colocando as devidas diferenças na nobreza dos objectivos, não anda muito longe do inqualificável Fátima, autêntica história da carochinha sobre as aparições da Cova da Íria. E isso é comparação indesejável para qualquer filme que se preze.


sobre o autor

Joao Torgal

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