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A propósito da Páscoa, recordemos um dos primeiros épicos bíblicos de Hollywood, que adapta ao cinema a obra homónima de Henryk Sienkiewicz (1895), prémio Nobel da literatura em 1905. O filme foi um estrondoso sucesso de bilheteira e gerou uma fórmula vencedora na qual a indústria cinematográfica americana continuou a apostar durante a década seguinte, com a produção de outros “gigantes” bíblicos como The robe (1953), The ten commandments (1956) ou Ben-Hur (1959). O título advém da expressão “Quo vadis, Domine?” (do latim “Aonde vais, Senhor?”), procedente do Evangelho de Pedro, um dos livros apócrifos da Bíblia, segundo o qual Cristo terá aparecido ao apóstolo Pedro enquanto este abandonava Roma pela Via Appia (principal via de acesso a Roma) para escapar à perseguição de Nero aos cristãos. Quando questionado pelo apóstolo – “Aonde vais, Senhor?” –, Cristo terá respondido: “Já que abandonas o meu povo, vou a Roma para ser crucificado uma segunda vez”. Pedro terá então regressado a Roma onde, a seu pedido, foi crucificado de cabeça para baixo, por considerar-se indigno de morrer como Cristo.
Filmado nos famosos Cinecitta Studios, em Roma pela Metro Goldwyn Mayer (a mais poderosa produtora cinematográfica da época), Quo Vadis é uma produção de luxo que demorou vários anos a ser produzida (as filmagens começaram em 1949), com uma fotografia espantosa, cenários e figurinos majestosos e milhares de figurantes – entre os quais os então desconhecidos Bud Spencer e Sophia Loren, e ainda uma participação especial, não creditada, de Elizabeth Taylor (a actriz foi inicialmente abordada para desempenhar a personagem feminina central, mas acabou por perder o papel para Deborah Kerr). A acção decorre no ano de 64 dc., último ano do reinado de Nero, e relata a perseguição aos cristãos que caracterizou o seu reinado e culminou no célebre massacre à mercê dos leões em plena arena do circo; após três anos de campanha, o general Marcus Vinicius (Robert Taylor), sobrinho de, Petronius (Leo Genn), conselheiro de Nero, regressa a Roma em triunfo, com o auriga sussurrando o memento homo aos seus ouvidos: Remember that you are only a man. Conhece a cristã Lygia (Deborah Kerr), filha adoptiva de um general romano secretamente convertido ao cristianismo. Ao vê-la pela primeira vez – nothing do I see that is not perfection – Marcus procura o imperador Nero (Peter Ustinov) e pede-lhe que ela lhe seja oferecida pelos seus serviços. Mas acaba por perder-se de amores por ela e, apesar das diferenças sociais e religiosas entre ambos, esse amor é retribuído. O amor de Marcus por Lygia salva-a da fúria de Pompeia (Patricia Laffan), a mulher do imperador que, por despeito, convence Nero a mandá-la matar. Na arena, para entretenimento de Nero e da multidão sedenta de sangue cristão, Lygia é exposta à fúria de um touro, tendo apenas o gigante Ursus (Buddy Baer), seu protector deste menina, para a defender (na cena em que Ursus mata o touro com as próprias mãos, a pega foi feita por um duplo, o forcado português Nuno Salvação Barreto). O romance de Marcus e Lygia acaba por ter importantes implicações políticas: rendido aos ensinamentos da fé cristã e revoltado com a perseguição aos companheiros, Marcus incita os generais opositores a Nero a tomar-lhe o poder.
Embora as personagens de Vinicius e Lygia sejam fictícias, as restantes são, na maioria, vultos históricos importantes: Nero, Pompeia, Petronius, o filósofo Séneca e outros membros do senado, os apóstolos Pedro e Paulo. Para a história ficou também a interpretação antológica de Peter Ustinov no papel de Nero, o tirano enlouquecido que se julgava poeta e cantor e mandou incendiar Roma com o triplo pretexto de culpar os cristãos, construir uma nova cidade e … inspirar-se para um poema; a cena em que Nero canta e toca lira na varanda do palácio, enquanto contempla Roma em chamas, é memorável. É nesse momento que Petronius – membro dissidente do Senado, voz da consciência discordante e autor, na vida real, de Satíricon (adaptado ao cinema em 1969 por Fellini) – pronuncia sábias de palavras que, por razões distintas, são tão aplicáveis ao imperador incendiário como ao actor que aqui lhe deu vida: Now indeed, Nero has his place in history.
A par de todos os momentos de Ustinov, o melhor do filme é também a cena do suicídio de Petronius, exausto (ou, nos seus termos, “aborrecido de morte”) de viver num mundo liderado por Nero; a sua última carta ao imperador, carregada de sarcasmo e ditada no seu leito de morte, é inesquecível:
To Nero, Emperor of Rome, Master of the World, Divine Pontiff.
I know that my death will be a disappointment to you, since you wished to render me this service yourself. To be born in your reign is a miscalculation; but to die in it is a joy. I can forgive you for murdering your wife and your mother, for burning our beloved Rome, for befouling our fair country with the stench of your crimes. But one thing I cannot forgive – the boredom of having to listen to your verses, your second-rate songs, your mediocre performances. Adhere to your special gifts, Nero – murder and arson, betrayal and terror. Mutilate your subjects if you must; but with my last breath I beg you – do not mutilate the arts. Fare well, but compose no more music. Brutalize the people, but do not bore them, as you have bored to death your friend, the late
Gaius Petronius.