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Reds
Título Português: Reds | Ano: 1981 | Duração: 195m | Género: Drama, Romance
País: E.U.A. | Realizador: Warren Beatty | Elenco: Warren Beatty, Diane Keaton, Jack Nicholson, Paul Sorvino, Maureen Stapleton

No início da década de 80, em plena Guerra Fria, um consagrado galã de Hollywood provou ser muito mais do que uma cara ao serviço dos estúdios ao ter a ousadia de fazer um filme sobre um dos primeiros líderes comunistas americanos, autor do mais fiel relato da revolução bolchevique (obra na qual o filme se baseia): o jornalista John Reed. Considerando a época em que foi filmado, um tempo de consolidação da indústria cinematográfica americana caracterizado por uma certa timidez criativa, a produção de Reds é particularmente singular e apenas foi possível graças à tenacidade de Warren Beatty, que após 10 anos a convencer a Paramount dos seus propósitos (um verdadeiro feito, já que o orçamento inicial era um dos maiores de sempre para a época) assumiu o controlo total do projecto, escrevendo o argumento (em parceria com Trevor Griffiths), produzindo, realizando e interpretando ainda a personagem central – o papel da sua vida. Pode dizer-se que Beatty partilhou com o seu herói a atitude inquieta (de certa forma, revolucionária) que aqui viabilizou a produção de um filme, no mínimo improvável para o seu tempo.

John Silas Reed nasceu em Portland, Oregon em 1887, no seio de boas famílias, teve uma educação conservadora em Harvard e viveu no bairro boémio de Greenwich Village, rodeado de intelectuais, artistas e revolucionários, onde se tornou um jornalista de excelência, com aspirações políticas a artísticas. Reds acompanha a história de Reed a partir de 1915, apresentando-o desde logo como uma figura na frente do comboio da História: correspondente da revolução mexicana, cronista no jornal The Masses e simpatizante dos movimentos sindicais e grevistas dos trabalhadores americanos no início do século, primeiras escolas de organização do proletariado; o seu talento literário é desde cedo colocado ao serviço das causas operárias.

Mas Reds é bem mais do que um biopic sobre a curta e intensa vida de um militante de esquerda no país do capital. É uma narrativa cinematográfica lendária sobre a revolução russa vista pelos dos olhos de um americano que a viveu e de um outro que insistiu em preservar a sua memória na tela. Warren Beatty fez a opção sábia (do ponto de vista da receptividade do público) de transformar o filme num romance; a coluna vertebral da obra não se resume aos acontecimentos quentes que ocorreram em Petrogrado (aos quais o filme dedica apenas dezassete minutos), mas centra-se antes na vida de John Reed e na tumultuosa história de amor com Louise Bryant (Diane Keaton), uma intelectual feminista de esquerda, uma mulher à frente do seu tempo, defensora da igualdade sexual, dos direitos das mulheres e dos trabalhadores, também ela jornalista.

Com base nesta personagem riquíssima, um homem de inabalável compromisso com as várias dimensões da sua vida – os amigos, a mulher que amou, e sobretudo a incansável militância à qual se manteve fiel até ao fim da vida – Beatty documentou não só a revolução bolchevique ou a vida de John Reed, mas toda uma realidade de época, numa obra epopeica de mais de três horas. Reds é simultaneamente um drama sociopolítico e um romance, mas comporta um traço documental forte, apoiado em depoimentos de contemporâneos dos protagonistas (intelectuais, militares, escritores de várias cores políticas, entre eles o escritor Henry Miller), recolhidos a partir de 1972. Os idosos falam de John Reed e Louise, mas também de outras personalidades da altura, como o poeta e dramaturgo Eugene O’Neill (Jack Nicholson) que viria a receber o Nobel de Literatura de 1936, a feminista Emma Goldman (Maureen Stapleton) ou o escritor Max Eastman (Edward Herrmann). Beatty utiliza estes testemunhos como contraponto, já que por vezes a narração é ácida; os relatos, feitos de lembranças já difusas, contraditórios e nem sempre simpáticos, revelam o universo intelectual, político e cultural americano daquele tempo e traduzem a nostalgia de um momento de transição e de agitação social. Estes depoimentos dividem e enriquecem a narrativa, apresentando versões bifrontes dos acontecimentos e das personagens e inviabilizando a acusação fácil de “propagandista”; Jack Reed, como era conhecido entre os amigos, não é enaltecido, mas antes discutido e comentado: “Was that in 1913 or 17? I can’t remember now”. “Jack was a playboy”. “Louise was an exibicinist”. Muito curiosos os depoimentos sobre Louise e a sua relação com Eugene O’Neill, o terceiro vértice de um triângulo que entretanto se desenhou, na idade da libertação sexual e do “amor livre”. Jack Nicholson é inesquecível no seu retrato de O’Neill.

Quando Beatty abordou Diane Keaton (sua companheira na altura) para interpretar Louise Bryant, ela terá reagido cepticamente; e, segundo dizem, as filmagens praticamente arruinaram a relação dos dois actores. Essa (in)tensa parceria entre Beatty e Keaton é realmente palpável e traduz na perfeição a natureza complexa das personagens a que dão vida e cuja relação terá sido profundamente complicada, mas também simbiótica e apaixonada. Embora Louise seja por vezes apresentada como um obstáculo à obsessão política do companheiro – há momentos em que o filme caracteriza Jack como um homem encurralado entre a vida pessoal e os seus ideais – o facto é que Reed e Bryant foram bem mais do que amantes ou parceiros revolucionários. Foram camaradas. Viajaram juntos até à Rússia para cobrir os tumultos que antecederam a Revolução de Outubro, onde acabaram por ser participantes activos. De regresso aos Estados Unidos e inspirados pelos acontecimentos testemunhados, aguçaram a sua militância pelos direitos dos trabalhadores. Em 1919, num momento de divisão entre os primeiros comunistas dos EUA, Reed ajuda a fundar o partido comunista operário americano. Nesse mesmo ano, escreve o seu livro-reportagem, Os Dez Dias Que Abalaram o Mundo, um relato incontornável da revolução bolchevique, elogiado pelo próprio Lenine. A obra combina o jornalismo puro com o entusiasmo pelos acontecimentos revolucionários presenciados. Não se limita ao relato, antes posiciona-se de um dos lados da história (“há dias que valem por cem anos”), enaltecendo os valores de Outubro e o sonho de uma nova organização social e de trabalho, sem a interferência do capital e da exploração do homem pelo homem – um sonho que não se cumpriu. Reed regressa a Moscovo no ano seguinte para obter o reconhecimento do Komintern para o seu partido recém-criado, e é aqui que morre, vítima de tifo, com apenas 33 anos. Foi enterrado no Kremlin, com honras de herói.

Para além do argumento e das interpretações memoráveis, Reds é um filme impressionante em muitos outros aspectos, com destaque para a sempre belíssima fotografia de Vittorio Storaro, uma impecável montagem, figurinos e banda-sonora. E apesar da sua tonalidade rubra, obteve o reconhecimento da crítica e da Academia e permanece como um dos filmes mais nomeados na história dos Óscares, com 13 nomeações, 4 delas para Beatty (que assim igualou Orson Welles). Mas recebeu apenas 3 estatuetas, para melhor actriz secundária (Maureen Stapleton), para a fotografia (Vittorio Storaro) e para Warren Beatty na realização (terá sido a única ocasião em que as notas da Internacional invadiram a cerimónia de entrega dos galardões). Três décadas volvidas, Reds mantém-se como um dos relatos históricos mais interessantes e visualmente poderosos da história do cinema, apenas possível graças ao star power do seu realizador e à forma inteligente como Beatty o soube usar. O filme é um marco incontornável na narrativa épica e no romance histórico, mas também um documento indelével sobre um dos mais importantes acontecimentos políticos do séc. XX. Uma lição de história e de cinema.

Adventure it was, and one of the most marvelous mankind ever embarked upon, sweeping into history at the head of the toiling masses, and staking everything on their vast and simple desires. Already the machinery had been set up by which the land of the great estates could be distributed among the peasants.
(John Reed, Ten days that shook the world, 1919)

sobre o autor

Edite Queiroz

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