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“Isto não é o que parece”. Retirado do filme, este pequeno excerto representa bem as surpresas que a película nos reserva. Não só para os cépticos, mas também para os homens, que teriam tudo para odiar Sei Lá. A propósito, o título poderia ser apenas a frase que dizemos de forma distraída e ocasional, mas esconde um existencialismo precioso e envolvente, uma reflexão pujante por detrás da suposta futilidade.
Baseado na obra homónima da escritora portuguesa Margarida Rebelo Pinto, trata-se de uma adaptação que segue de perto o livro que lhe deu origem, até porque o argumento é assinado pela própria autora. De qualquer forma, Margarida Rebelo Pinto incorporou na narrativa algumas novidades e até um final diferente, que decerto agradará às fãs incondicionais da obra. A história é fiel às questões femininas e intemporais que apaixonaram as leitoras do livro no final dos anos 90, vistas pelos olhos de quatro amigas na casa dos trinta com personalidades bem diferentes – Madalena (Leonor Seixas), Mariana (Patrícia Bull), Luísa (Ana Rita Clara) e Catarina (Gabriela Barros). Vem-nos à memória O Sexo e a Cidade, mas seria quase insultuoso reduzir o filme de Joaquim Leitão à simplicidade da série. Há muito mais do que isso…
O tema fundamental continua a ser, claro está, o amor, nas suas diversas formas e manifestações e também nas suas muitas dificuldades, retratado com uma frescura rara. A verdadeira heroína da história é Madalena, a narradora, uma jovem e sensível jornalista que, com o apoio das amigas, enfrenta o final perturbador de uma relação sentimental. Subitamente abandonada pelo amor da sua vida, um basco chamado Ricardo, ela conhece Francisco e pensa em refazer a sua vida, mas tudo se complica quando Ricardo reaparece.
Desenganem-se os que poderiam pensar que a adaptação do livro ao cinema conteria um número interminável de clichés e lugares comuns (nunca é demais repetir). Surpreendentemente, apesar das circunstâncias parecerem fadadas a ditar o contrário, o argumento de Margarida Rebelo Pinto oferece quatro personagens femininas sólidas e muitíssimo coerentes, que escapam com enorme subtileza a qualquer estereótipo, permitindo que de facto nos identifiquemos com os problemas de cada uma (mulheres e homens por arrasto). Pode dizer-se que, apesar da personalidade vincada, características distintivas e idiossincrasias das quatro protagonistas, elas transportam traços comuns a todas as mulheres e, mais importante do que isso, debruçam-se na reflexão de questões universais e de incontornável pertinência: os sonhos, medos, dúvidas e fraquezas das mulheres do nosso tempo nesta faixa etária, a maternidade, a carreira e a sexualidade, a tão ambicionada independências em conflito com a necessidade de entrega. Esta particularização não foi, de facto, tão bem conseguida no que concerne às personagens masculinas, passando pelo galã Pedro Granger (mas também ele surpreendente, num desempenho agradável) ou pelo romântico António Pedro Cerdeira, que de certa acabam apenas por simbolizar os demónios das quatro mulheres. Destaque para a participação especial de Rita Pereira, no papel de uma mulher obcecada com a fama. Apesar da parca experiência no cinema, a sua pequena participação é responsável por alguns dos mais divertidos momentos do filme.
O elenco (que inclui ainda nomes como Rui Unas, Renato Godinho, David Mora, Paula Lobo Antunes e o próprio produtor Tino Navarro) é talentoso e extremamente equilibrado e a trama é desenvolvida com enorme sagacidade, por meio de diálogo ricos em apontamentos mordazes e observações certeiras. Mas apesar do estilo sarcástico da escrita, a narrativa tem alguns momentos verdadeiramente enternecedores – é delicioso ouvir António Pedro Cerdeira a sussurrar “Bom dia, resmungona!”, quando Madalena deixa de lado as suas incertezas e começa a ceder aos encantos de um homem bom que tenta resgatá-la de um passado pouco feliz. Num filme de detalhes, que nos faz lembrar Her – Uma História de Amor (com quem, esteticamente, Sei Lá tem óbvios pontos de contacto), Lisboa surge retratada pela fotografia sempre belíssima de Luís Branquinho, uma óptima banda-sonora e um guarda-roupa de extremo bom gosto.
Por tudo isto, e tendo em conta as baixas expectativas em torno do filme durante todo o processo de produção, o filme de Joaquim Leitão é merecedor de atenção e de elogios. É um deleite assistir a um filme assim, ainda mais em português.
Edite Queiroz & João Torgal