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Nisto da vida, há (passe o chavão) fórmulas e zonas de conforto a que gostamos de voltar, quer porque nos lembram tempos melhores, quer porque são uma forma de multiplicar a imaginação. Tudo melhora, diga-se, se se acrescentar algo novo e remisturar o que de bom havia. Não é grande arrojo, mas é melhor do que a novidade medíocre. Star Wars: The Last Jedi (Rian Johnson, de Brick, 2005) é parte dessa zona de conforto que (salvo as medíocres prequelas) nunca falha.
Após o habitual início épico, com John Williams a fazer tremer a sala toda, deparamo-nos com o ponto de situação da praxe: os bons da fita estão cercados, exaustos e sem meios para fazer frente à Primeira Ordem, nova entidade mais ou menos monolítica (cá esperamos por mais universo expandido) que veio substituir o Império Intergaláctico – mas sempre esperançosos e sempre moralmente superiores aos carniceiros às ordens do Líder Supremo Snoke (Andy Serkis), do telhudo Hux (Domhnall Gleeson) e de Kylo Ren (Adam Driver, em crescendo), que continua irritadiço e infantil, como um adolescente que joga demasiado em multiplayer.
Nesta altura do campeonato, com oito filmes ao longo de quarenta anos, já se consolidou a fórmula: rebeldes à porrada com uma entidade opressora, quase sempre em aperto dada a disparidade de meios (salvo os morais, que são sempre superiores nos resistentes), sendo os nossos heróis uma Deus Ex Machina, os sujeitos providenciais que carregam nos ombros mais uma guerra; na primeira meia hora desfia-se o novelo de Poe (Oscar Isaac), Rey (Daisy Ridley) e Finn (John Boyega, perito em despertares violentos), sem esquecer Leia (Carrie Fisher) e Luke (Mark Hamill), da família real Skywalker.
O jogo filosófico de xadrez entre Luke e Rey é um choque de virtudes (e de diálogos plásticos que, apesar de tudo, evitam algum cliché): o velho mestre que se desterrou para morrer na ilha dos maiores de outrora e a jovem de Força na guelra, que tem mais perguntas do que respostas para dar – tal como Luke há três episódios (e 36 anos) atrás, em Dagobah. A História repete-se, com uma densidade invulgar.
Se já não temos Han Solo (RIP), temos Chewbacca, agora um reticente carnívoro, perante os pugs-pardais, mas sempre bússola de valentia física e moral. Poe Dameron substitui, com vantagem, o maioral falecido – ele é estratega, táctico e piloto das mil manobras, com um piscar de olho a Peckinpah: “if they move, stun ‘em!”. Uma Laura Dern rende na ponte do cruzador o sacrificado almirante Ackbar, num pequeno papel que não destoa do retrato geral.
Nesta remistura da fórmula, levanta-se mais uma pontinha do véu da história dos Jedi, com panache e irreverência: o eternamente saudoso Yoda vira iconoclasta marialva ao pé do “jovem” Luke (que, tal como muito intelectual du jour não leu o que deveria ter lido) e atira que os oráculos Jedi não passam de calhaus e as obras uma pilha de acendalhas. Se os Jedi acabarão, será porque passarão a integrar a natureza e a própria Força, em transcendentalismo à moda de Ralph Waldo Emerson. Nada mau para um filme de pipocas, lasers a rodos e bonecada, diga-se.
Ora, a saga tinha de acompanhar os tempos e introduzir novos elementos nesta Força 2.0, não desiludindo The Last Jedi: entre Rey e Kylo temos uma espécie de WhatsApp da Força, comunicando estes entre si, num chat intergaláctico onde não falta a fofoquice sobre as origens de ambos, a Boca do Inferno do Lado Negro da ilha de Ahch-To (bom anagrama para o Luke chato) e manipulação mútua – sempre com a pitada maniqueísta dos filmes de aventuras.
Os Jedi são os Templários da trama, ascetas em permanente sobressalto desde que o Império tomou conta do Universo. Se Skywalker está numa de “estou demasiado velho para isto tudo e prefiro ficar na cabana a ouvir Swans, a remoer o passado e a ter a cama e comida feitas pelos estranhos seres que aqui habitam”, Rey – desterrada como praticamente toda a gente n’ A Guerra das Estrelas – procura saber quem é e porque assim é, porque já sabe para onde vai.
A ilha é brutal para o físico e para a mente, como a ilha de Stromboli de Rossellini (e o X-Wing de Luke quase como que afundado pela Morte d’O Sétimo Selo), num jogo entre experiência desgostosa e juventude ansiosa – a tensão entre os equilíbrios da Força em evidência. Com efeito, o WhatsApp Jedi leva ao Tinder espacial: em vez da busca do confronto final, Rey e Kylo Ren demonstram que são jovens turcos e procuram manipular-se mutuamente. Snoke bem tentou, mas ao pé de um andreóttico Palpatine é um Santana Lopes dissolvido pelos sabres de luz.
Prémio para a fotografia de The Last Jedi: excelente trabalho nos planos de drones que filmam as paisagens da fulcral ilha Jedi e os planos que tornam a Leia de Carrie Fisher numa musa homenageada, numa matriarca da galáxia – em especial quando esta não tem qualquer diálogo. Não obstante, certa sequência de flutuação espaço fora é um jump the shark tão grande (para não dizer foleiro) que amolga perigosamente o filme, tornando uma morte bem mais digna do que o pseudo-uso da Força. Claro desvario de escrita por parte de Johnson.
No tocante à CGI, tudo no sítio: seja no fogo cruzado de lasers, seja na Las Vegas espacial de Canto Bight onde Finn e Rose (Kelly Marie Tran), a Bespin contemporânea, donde brota a revolta dos descamisados e dos vigaristas como DJ (Benicio Del Toro) – depois de Lando Calrissian, a fórmula remisturada dá-nos novo traidor à causa (e provável futuro herói).
Falámos acima em fórmula? Não poderia a obra terminar sem uma batalha terrestre e sem mais um combate de sabres pós-moderno – o insolente Ben Ren contra uma projecção de Luke, tal e qual quanto os hologramas nos festivais de música. O nadir de Luke Skywalker é o apogeu da belíssima fotografia de The Last Jedi, um novo Sol em Ahch-To – em vez de postarem fotos desfocadas e foleiras do Sol, revejam antes esta sequência, que é do melhor que toda a saga tem. Desfeitas todas as dúvidas existenciais, os saltimbancos galácticos conseguem fugir, graças à Força da última Jedi, do piloto intrépido e do ex-soldado introvertido, certos de quem são, tal como o novo desmascarado manda-chuva disto tudo: Kylo Ren.
Decididamente, este regresso da saga Guerra das Estrelas representa, no cinema de massas, o que o regresso dos LCD Soundsystem representou na música popular alternativa: o reviver de uma fórmula vencedora e aperfeiçoada. Mais ainda, sem os tiques de George Lucas que, não obstante ser um grande criador de universos (aqui na Terra em American Graffiti ou lá noutras galáxias), realiza filmes como um nerd com o seu mais recente brinquedo.
Mais de duas horas e meia depois, perguntamo-nos como e onde será o desfecho da série, tal como muitos se terão perguntado em 1981. A História repete-se e não há mal nenhum nisso, que a Força está com ela (e a bilheteira também).