Baseado no romance homónimo de David Ebershoff, o argumento de Lucinda Coxon escolhe descentrar-se do drama individual do protagonista (tanto quanto é possível fazê-lo) e antes contar uma incrível história de amor, que acompanha não apenas a delicada transformação de Einar Wegener em Lili Elbe mas a relação de Einar com a esposa Gerda Wegener, também pintora. Claro que o argumento, tal como o romance de Ebershoff, toma diversas liberdades em relação à história (as coisas não correram exactamente assim para Einar e Gerda), embeleza-a em demasia e acaba por tratar com uma certa ligeireza a complexidade comportamental e sexual que a personagem de Einar/Lili exigiria. No entanto, subaproveitando o debate sobre a questão da transsexualidade e da convulsão social que (ainda) provoca, é uma perspectiva que levanta outras questões interessantes: A possibilidade de tal metamorfose ocorrer num casal sem que a cumplicidade, o afecto ou a aceitação sejam postos em causa. A experiência da transformação não como um processo solitário e terrível mas como um caminho a dois. O lado de quem fica do outro lado.
E aqui chegamos à verdadeira surpresa do filme: A sueca Alicia Vikander no papel de Gerda – cuja luta pessoal não é inferior à da sua contraparte. Ao contrário da performance de Redmayne, que naturalmente beneficia do transformismo que a personagem determina, Vikander não pode apoiar-se nessa dimensão visual: Gerda é feita de contradição, abnegação e subtileza. A força do seu desempenho garante-lhe um papel mais central no filme do que o do próprio Redmayne. Ela é a pobre rapariga dinamarquesa do título, condenada a aceitar a condição e a tranformação do homem que ama, condenada a apoiá-lo e condenada a perdê-lo. Num filme demasiado encenado mas técnica e esteticamente inatacável – em que tudo parece certinho, mas distante – Gerda é a única personagem que consegue inspirar emoção verdadeira e não parece pintada num quadro da época.