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Houve tempos em que Jeremy Irons e Robert De Niro protagonizavam filmes que ficavam na memória. E não foi assim há tanto tempo, nem numa galáxia distante. Antes de se dedicarem a adaptações medíocres de videojogos e comédias de trazer por casa, os dois actores surgiram juntos em The Mission (1986), um filme baseado num obscuro episódio da História de Portugal ocorrido nas terras que hoje constituem o Paraguai, a Argentina e o Brasil. Premiado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes e uma série de nomeações para os Óscares, o filme coincidiu também com o auge da carreira de Roland Joffé, realizador anglo-francês ligado vários projectos com fundo religioso que recentemente dirigiu o sofrível There Be Dragons (2011).
No centro de The Mission está o Tratado de Madrid de 1750, um acordo entre Portugal e Espanha que determinou a passagem para o domínio português de uma área onde estavam estabelecidas diversas missões jesuítas. Missões essas que albergavam um conjunto de tribos guarani, que aí viviam segundo os princípios cristãos e a orientação dos padres da Companhia de Jesus. Nas negociações que antecederam o tratado, um emissário do Papa é enviado às Américas para arbitrar o diferendo entre os representantes das coroas de Portugal e Espanha e os missionários jesuítas. Embora segundo os livros de História o Tratado de Madrid tenha determinado que as missões dos jesuítas fossem desmanteladas e transferidas para territórios sob domínio espanhol, o filme apresenta o acordo como um pretexto aproveitado por colonos portugueses e espanhóis para escravizar os indígenas. A verdade é que os índios guarani se recusaram a abandonar as missões, numa revolta que ficou conhecida como a Guerra Guaranítica.
E assim surge o Padre Gabriel (Jeremy Irons), um jesuíta empenhado em evangelizar os indígenas perdidos na selva, enquanto Rodrigo Mendoza (Robert de Niro) é um mercenário que após uma brusca sucessão de acontecimentos acaba por juntar-se aos jesuítas como forma de penitência e redenção dos seus pecados. Curiosamente, o elenco conta também com um jovem Liam Neeson, que trinta anos depois voltaria a interpretar um missionário jesuíta em paisagens exóticas, no filme Silence (2017).
As interpretações de Irons e De Niro são um dos pontos fortes do filme. Embora The Mission não seja abundante em diálogos, todas as sequências com Irons ou De Niro são carregadas de intensidade dramática. Infelizmente, nem todas as prestações estão a este nível. As sequências de acção deixam à vista o amadorismo da maior parte dos figurantes. Ainda assim, a carga emocional é constante ao longo do filme, reforçada pela banda sonora de tons épicos de Ennio Morricone, que combina cânticos litúrgicos, música barroca e ritmos indígenas numa fusão que só o mestre italiano poderia tornar bem-sucedida. Outro ponto forte é a realização e fotografia. É verdade alguns planos parecem algo datados e os cenários dão uma grande ajuda, com as cataratas do Iguaçu — um elemento central do filme — a fornecer uma paisagem incontornável e esmagadora, mas a realização de Joffé capta bem a exuberância selvagem da selva sul-americana.
Onde The Mission falha é no enredo, simplista e esquemático. Num antagonismo digno de um conto de crianças, só há bons e maus. De um lado os gananciosos representantes das coroas de Portugal e Espanha, unicamente interessados em escravizar e explorar os índios guarani. Do outro os missionários jesuítas, justos e abnegados, determinados em resgatar para a civilização os pobres indígenas que, por sua vez, surgem aqui como “bons selvagens”, levando uma existência pouco sofisticada mas inocente, numa utopia de paz e harmonia tão poética quanto irreal.
Felizmente, a dimensão panfletária não diminui o brilho das interpretações dos protagonistas nem a beleza visual do filme. Apesar das falhas, The Mission é bastante recomendável.
Dissidente e subversivo por natureza. É benfiquista militante. Já desistiu de mudar o mundo e agora só tenta que o mundo não o mude a ele. (Ver mais artigos)