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Uma das maiores tragédias de Portugal enquanto Nação é a de que muitos dos seus maiores só o foram porque saíram do solo Pátrio – de Espinoza, judeu português nascido longe de Portugal por via da estupidez da Inquisição, até ao abade Correia da Serra, cuja notoriedade em muito se deve aos anos que passou nos Estados Unidos, parece que a imbecilidade nacional e a ignorância do resto do mundo conspiram contra o brilhantismo dos grandes portugueses. Mais recentemente, podemos incluir os Parkinsons neste grupo, como se verá.
E porquê? Porque mesmo tendo já obra feita por cá – mormente nos saudosos Tédio Boys – e sendo os seus membros de Coimbra (a univer-cidade, a Lusa Atenas que não o é) a parolice e mediocridade conimbricenses (em particular da massa estudantil) ditariam que os Tédio Boys acabariam por falta de interesse e que uma meca da música popular é que ficaria a ganhar – neste caso, seria Londres a beneficiária. Nós por cá ficámos a bater palmas a imitadores baratos do grunge, aos Ornatos desta vida e a rockeiros passados do prazo, com algumas menções honrosas pelo meio.
É aqui que se situa A Long Way To Nowhere, de Caroline Richards, que conta a história dos (The) Parkinsons, a melhor “banda portuguesa do Reino Unido”. O trio de Victor Torpedo, Afonso Pinto (ou Al Zheimer) e Pedro Chau (o primeiro e o último ex-Tédio Boys) deixou para trás o bafio de Coimbra e mudou-se para Londres e, qual bug Y2K da música nacional, começou a fazer estremecer Camden Town logo ali em 2000/2001.
No dealbar do novo milénio, o cenário geral da música popular era catastrófico: para além da morte da britpop e de um shoegaze há muito reduzido a cinzas, registava-se o domínio do nu metal e de um grunge requentado e regurgitado por simplórios que nunca ouviram Mudhoney, o post-grunge. Teve, pois, de ser um trio de portugueses e um escocês (ou o baterista n.º 3, como é identificado no documentário) a recuperar o punk e a fazê-lo seu – com muito suor, sangue, vomitado e sabe-se lá mais o quê. Mas não foram os pioneiros nisto de fazer lembrar aos britânicos o que é música – vinte anos antes já Ana da Silva e as suas Raincoats tinham dado novos mund-, barulhos ao mundo.
A Long Way To Nowhere mantém a estrutura típica do documentário musical: segue a fita do tempo e enquadra cultural e pessoalmente os membros do grupo, desde as origens em Coimbra, à obra nos Tédio Boys e à adaptação a Londres e à língua inglesa. O objectivo dos futuros Parkinsons não era tentar safar-se e amealhar uns dinheiros, era mesmo jogar num campeonato musical superior (Reino Unido ou EUA), com público e oportunidades condizentes; com trabalho e genialidade lá chegariam.
Faltava baterista e encomendou-se um de Portugal, mas seria um escocês, Chris Low (ex-Oi Polloi), a compor o ramalhete.
A narração de A Long Way… segue o estilo de Pennebaker e dos irmãos Maysles; autênticas “moscas na parede”, Richards e equipa seguiram de muito perto a banda na meia década em que andou a espalhar fluidos em palco e violência no éter, ainda que fossem, nas palavras de um entrevistado, rapazes de brandos costumes quando fora de palco – muito voluntariosos para explicarem a origem do nome da banda, por exemplo.
Assim, no ano 2000, o cenário era este: um vocalista que assumia que não sabia cantar, um guitarrista e um baixista experientes e uma porta giratória de bateristas. Mas avante pelo barulho, que Deus Nosso Senhor GG Allin está connosco. E estava, de facto.
A ascensão dos Parkinsons coincidiu com a ascensão do rock de garagem apunkalhado dos Strokes, White Stripes, Hives e quejandos. Como mais vale cair em graça do que ser engraçado (e os Parkinsons são ambos), logo tiveram uma pequena legião de seguidores – um Bromley Contingent do século XXI, luso-britânico, no qual se incluía o Homem Nu, um sujeito provavelmente autogonistófilo e amante de quedas de palco. Novamente, tudo impecavelmente registado pela realizadora, sem bola vermelha.
No seu último sopro de relevância, o New Musical Express (NME) dedicou várias páginas à banda, tida como o primeiro tiro de resposta à onda garageira dos Estados Unidos e entrando nas comparações óbvias: de que Afonso Pinto (“Al” para os amigos) e companhia eram uns Stooges contemporâneos. Com efeito, Afonso é uma Encyclopædia Britannica de jogo de palco; em cada movimento seu, uma entrada na enciclopédia: jogo de ancas de um Jagger ou Lux Interior, tronco nu de Pop e suada, sincera e sensual (da barraca) nudez de toda a banda – inserir em “Escultura Contemporânea”. Capítulo especial para GG Allin e a evocação da sua pornografia de microfone que, em tempo de concerto, todo o buraco é estojo de microfone, se é que nos fazemos entender.
Tanta destruição valeu-lhes o degredo de várias salas de espectáculos londrinas, mas o que é certo é que gravariam, em 2001, a apropriadamente intitulada “New Wave” para uma compilação de “música nova” – o futuro estava aí. O horizonte era risonho e, a partir daí e mesmo com maior ou menor indecisão contratual, o futuro era deles. Em 2002, o campeão nacional foi o Sporting, mas em Inglaterra foram os Parkinsons a ganhar tudo.
Só nesse ano editaram um EP, Streets of London, e o álbum de estreia, A Long Way To Nowhere; a primeira canção deste tem os acordes certos para começar qualquer obra sobre a banda, como que a ignição da destruição dionisíaca. Juntamo-nos aqui a Victor Torpedo no coro pró-qualidade de gravação do álbum, que tão bem captou a essência da banda. Afinal, a ausência de Jim Reid na mistura até foi benéfica.
Ao vivo choviam datas, incluindo em festivais como Glastonbury (Torpedo a mostrar a sua inquietante simplicidade em cima da coluna do PA), Leeds e Reading e o T in the Park. Falámos em futebol acima? Bem, os Parkinsons até futebol jogaram em palco nesse ano.
Se a selecção nacional teve uma prestação miserável no Mundial da Coreia do Sul e Japão, os Parkinsons limparam a honra da Nação em terras nipónicas, com concertos no Fuji Rock e, mais tarde, uma digressão que foi das mais longas de sempre por parte de uma banda ocidental. Alguns percalços e cansaço, mas nada que o baterista n.º 4 (?), Nick Sanderson (ex-The Jesus and Mary Chain), não ajudasse a atenuar; sim, atenuar, que os Parkinsons eram e continuam a ser uma bateria de lítio: ardem, mas é quase impossível apagar o fogo.
Ainda nesse ano, mais caos: a compilação Sonic Mook Experiment 2: Future Rock & Roll e o Jubileu de Ouro da rainha Isabel II. O lascivo cartaz do festival associado (apropriadamente no ICA, o Scala do punk) não agradou à Casa Real, mas o que é certo é que a torre de Afonso foi a maior de Londres, o verdadeiro Big Ben. Como bons portugueses, obviamente que os Parkinsons tinham de ser sabotados por uma chatice qualquer: uma ameaça de bomba dividiu-lhes o concerto e entregou o ouro aos Libertines. Obra de heroinómanos invejosos que queriam era aviar modelos?
Tensões internas e o desgaste de serem vistos como banda repetitiva levariam Afonso a pedir a reforma, em 2003. Torpedo, Chau e bateristas 5 a 7 continuariam a editar (ouça-se a belíssima Heroes and Charmers), mas o fim deu-se em 2005, após procissão fúnebre por Portugal e Inglaterra. Entretanto, existiram os Blood Safari e uma qualquer macumba trouxe-nos os Parkinsons de volta, em 2006. Década depois, temos os Parkinsons de volta a Portugal, mas com a equação ao contrário: um luso-britânico Afonso e os restantes membros residentes em Portugal, incluindo a baterista n.º 9. Para épater le (três faible) punk portugais, claro.
A Long Way To Nowhere conclui com este ponto de situação da banda e com uma bonita homenagem a Nick Sanderson, baterista caído no campo da honra em 2008 e uma personagem que viveu todo o pathos da música dita alternativa. Nos cinco primeiros anos do século e milénio, os Parkinsons foram a melhor banda de Portugal, mesmo que fora do País – chegaram onde mais ninguém chegou, tocaram como já ninguém tocava ao tempo e deixaram um rasto mítico, ficando nos anais (literal e figuradamente) da História. Ainda por aí andam, ouçam-nos e vejam-nos ao vivo, que portugueses destes há poucos.
Gloria sic transit Parkinsons.