//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Em 43 dias o cinema ficou mais pobre.
O cinema de terror sempre teve plateia e gerou alguns dos filmes mais rentáveis de sempre, no entanto é difícil ultrapassar o sangue e a violência para perceber a importância que o coloca ao lado de géneros considerados mais nobres. George Romero e Tobe Hooper eram dois contadores de histórias exímios, escolheram mortos-vivos e serras eléctricas para o fazer e, como bons ilusionistas, enquanto uns olharam apenas para isso, conseguiram traduzir em monstros a revolução que ansiavam.
Corria o ano de 1973 e a geração da paz e do amor começava a desvanecer, a guerra do Vietnam levava jovens a morrer num conflito que não entendiam e os que voltavam traziam sequelas físicas e psicológicas. Já não fazia sentido continuar a tapar os olhos com uma peneira de canábis ao som da guitarra de Joan Baez, estava na altura de acordar do sonho e fazer-lhe o devido funeral. Tobe Hooper será sempre associado a The Texas Chainsaw Massacre, uma associação redutora, mas que nunca o deixou desconfortável. O filme conta a história de um grupo de jovens em viagem pelo sul dos EUA que se veem perseguido por uma família de sádicos canibais, tão só e apenas isto. O que pode ter este filme de notável e porque se tornou num clássico do género?
O que mais salta à vista é o aspecto crú de toda a filmagem, os cenários sujos que dão vontade de tomar um banho só de olhar. Esta estética prende-se apenas com o baixo orçamento a que o filme foi sujeito, mas aliada a uma visão vanguardista que coloca a câmara em ângulos nunca antes experimentados, coloca-nos perante um objecto que tolda a linha entre a ficção e o documentário. A ideia era explorar os limites da discrepância entre os ideais da cultura hippie e o conservadorismo familiar e territorial, apenas exacerbado pelo estereótipo sulista. Tudo isto ganha uma dimensão ainda maior com as escolhas minimalistas de diálogo e um encorajamento para o improviso. Algumas das reacções dos actores são mesmo genuínas, uma vez que Tobe Hooper insistia em dar indicações muito vagas acerca do caminho que deviam tomar e do que iriam encontrar.
O vilão criado pelo também já falecido Gunnar Hansen, conhecido na cultura popular como Leatherface, é uma das interpretações mais poderosas do género, podendo ser colocada sem medos ao lado de Anthony Perkins em Psycho ou de Anthony Hopkins em Silence of the Lambs. Sem qualquer linha de diálogo, Hansen criou uma personagem complexa que vai além do simples assassino sem remorso. Na verdade, Leatherface é quase uma criança superprotegida que nada mais faz a não ser defender uma casa invadida por desconhecidos, não tendo discernimento para perceber que não se tratam uma ameaça. Marilyn Burns foi a actriz escolhida para sobreviver aos acontecimentos do filme e às filmagens, a scream queen de todas as scream queens. É impossível assistir à personagem de Sally e não sentir o desespero e quase a inevitabilidade de uma morte que tarda em chegar. Infelizmente a actriz também já faleceu em 2014.
Como se tudo isto não bastasse, somos embalados por uma banda sonora completamente desconcertante e minimalista, muito à base de sonoplastia e com o inconfundível barulho do flash fotográfico como metrónomo. Tobe Hooper partilha aqui créditos com Wayne Bell, que hoje em dia é o sonoplasta de eleição para Richard Linklater. O filme é pontuado por um momento de excepcional beleza, quando Sally consegue finalmente escapar e Leatherface é deixado no meio da estrada desorientado com a sua motosserra, começando a rodopiar sobre si mesmo numa dança desconsolada enquanto o sol nasce no horizonte. O mais irónico é que a fama que o filme ganhou como um dos mais violentos de sempre só o é por sugestão.
Na verdade The Texas Chainsaw Massacre é um dos filmes menos sangrentos do género e muito pouco da violência física surge em frente à câmara. A carga psicológica e a tensão criada por Tobe Hooper colocam-no aqui ao lado de Hitchcock na ilusão do brutal. É que apesar do título, apenas uma das personagens sucumbe com a motosserra. Tobe Hooper sempre sofreu um pouco com o estigma do “à primeira vista” e durante toda a carreira sempre foi olhado como “o tipo do horror”. Quando um grande estúdio o chamou para fazer a sequela, ele aceitou de bom grado, mas desta vez, mais de 10 anos depois, decidiu fazer uma comédia negra. O resultado final não foi compreendido e deixou os espectadores confusos, nem a representação over the top de Dennis Hopper e Bill Moseley conseguiram denunciar a intenção. Mesmo com um poster promocional em que a família de Leatherface imitava a foto de grupo de Breakfast Club.
“The Texas Chainsaw” massacre tornou-se num dos filmes independentes mais rentáveis de sempre. Com 300 mil dólares conseguiu 30 milhões e uma carreira. Tobe Hooper deixou-nos, mas também nos deixou Eaten Alive, Lifeforce, Invaders From Mars, Salem’s Lot, The Mangler e outras histórias para nos deliciarmos. Incluiria Poltergeist, mas tudo indica que terá sido apenas um favor feito a Steven Spielberg, que precisava de quem lhe assinasse o filme. Tal como Spielberg lhe deve ter dito, também eu digo: obrigado.