//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
O Muro de Berlim caiu há trinta anos, a 9 de Novembro de 1989. O desaparecimento da fronteira física que dividia mais que o país, o mundo, era inevitável.
Dois anos antes, em 1987, Wim Wenders estreou o seu Der Himmel über Berlin, literalmente traduzido como «O Céu sobre Berlim». Em Inglês ganhou o título Wings of Desire e em Português Asas do Desejo. Nessa altura, o Mauer mantinha-se intransponível e indestrutível. O argumento é assinado por Peter Handke, Nobel da Literatura em 2019. Conta com brilhantes interpretações de Bruno Ganz e Peter Falk.
Sem qualquer pretensão premonitória, o filme é uma cápsula do tempo. Percorre as ruas de Berlim Ocidental e inscreve na memória colectiva os rostos dessa era, os movimentos artísticos, a contra-cultura da nova geração, o nascimento de duas estrelas: Nick Cave e Blixa Bargeld.
As atrocidades do passado e a guerra fria estão sempre presentes, embrulhando a esperança e os sonhos de futuro. Wings of Desire envolve-se de nostalgia.
Num brilhante argumento que saboreia o quotidiano, acompanhamos os anjos Damiel e Cassiel que observam e confortam os habitantes de Berlim, sem qualquer interacção física mas capazes de apaziguar o espírito de quem deambula pela cidade, sendo visíveis apenas por crianças. Em exercício de intimidade e de solidão, Wim Wenders revela os desejos e os pensamentos mais mundanos, criando espaço para a felicidade, para a ansiedade, para o medo, para cada minuto no relógio. É através das figuras celestiais que se revela a humanidade.
Os anjos testemunharam a transformação do espaço, da chegada dos primeiros humanos às primeiras edificações, não esquecendo as atrocidades e a destruição de guerra. O seu papel é preservar o passado.
Bruno Ganz é Damiel, um desses anjos vigilantes, que acaba por se apaixonar pela poética figura de uma trapezista, Marion (a actriz francesa Solveig Dommartin). Por amor, Damiel troca a eternidade pela fugaz possibilidade de experienciar a vida terrestre. Num acto de coragem, arrisca viver. Troca as asas por uma vida que ganha novas cores, deixando os tons monocromáticos no passado.
Num volte-face, agora somos nós os anjos que de fora observam Damiel, captando a incomensurável felicidade de quem prova pela primeira vez uma peça de fruta ou de quando é finalmente contemplado pelo seu objecto de desejo. Antes uns fugidios anos de vida sensorial, que uma eternidade como mera testemunha.
Nos créditos finais, Wim Wenders dedica o filme a três anjos: «Yasujiro, François und Andrej». Uma referência a Yasujirō Ozu, François Truffaut e Andrei Tarkovsky, cineastas que influenciaram Wenders e que este identifica como verdadeiros anjos que, igualmente, preservam a memória da Humanidade através da Sétima Arte.