//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Beleza não existe só no que é convencionalmente bonito. Referindo à música de Kristin Hayter, conhecida na indústria como Lingua Ignota, trata-se da menos convencional das belezas. O que esta multi-instrumentista de treino clássico faz é cru, violento, bruto e consegue ser perturbador. Mas, como se ouve no estilisticamente inclassificável “Caligula,” não se perde qualquer ponta de delicadeza ou de, lá está, beleza na música tão abstracta.
A fragilidade do disco encontra-se no conceito, vindo directamente do seio pessoal de Hayter, vítima de abusos e violência doméstica. Mas é subtil no meio de toda a raiva e violência que vem da veia vingativa que realmente aqui se sente. Musicalmente, se o anterior “All Bitches Die” impressionou pela sua originalidade, “Caligula” vem distorcer ainda mais o nosso conceito de música, canção e até de música neoclássica. As participações de amigos dos The Body ou Full of Hell podem dar uma ideia do que se passa, mas ainda mais referências se podem pescar: repetições à Swans, – como a brilhante “May Failure Be Your Noose” – uma berraria envolta em noise que lembra Whitehouse ou, num formato mais feminino, Pharmakon, o vanguardismo clássico de uma Diamanda Galás, ambientes capazes de causar susto até a um bom fã de Khanate, até umas fugas para dark ambient e, como em “Spite Alone Holds Me Aloft,” a invocação de um demónio tipo Xasthur. Se as referências são boas e igualmente simpáticas, não fazem assim tanto para realmente descrever a música de Lingua Ignota, com tanta identidade que até a própria Kristin tem dificuldades em classificar.
Emocionalmente, parte da bipolaridade e incrível talento com que tão facilmente oscila entre a berraria desalmada – “Do You Doubt Me Traitor” e ao longo de todo o disco – e um belíssimo canto lírico, – como em “Sorrow! Sorrow! Sorrow!” – que tanto embala como é capaz de tornar uma balada ao piano tão visceral – e uso o termo “balada ao piano” tendo em conta que esqueçam tudo o que saibam acerca das ditas cujas. O ambiente é pesado, como muitos sonhariam obter com guitarras ou até com completa submersão no noise. E o sentimento será de identificação e conforto para quem partilha a dor de ser abusada e de total desconforto e tortura para quem for abusador. Kristin Hayter aka Lingua Ignota vinga-se em “Caligula” e vai buscar o tal belíssimo disco das entranhas. Histórias e caminhos conturbados que se percorrem na vida… Por vezes dão num disco do ano.
Do You Doubt Me Traitor, May Failure Be Your Noose, I Am the Beast
The Body, Full of Hell, Puce Mary