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Nas temporadas de prémios surgem sempre as discussões, os favoritos individuais que ficam pelo caminho, os grandes filmes que nem são nomeados, as opções mais discutíveis. No fundo, uma boa parte de nós já diabolizou a academia por escolhas que consideramos absolutamente ridículas. É tudo bastante subjectivo, mas há dados incotornáveis: atire a primeira pedra quem considerar que Celine Dion foi a justa vencedora pelo Óscar de melhor canção em 1995 (nos nomeados estava um tal de Elliott Smith).
Assim sendo, fruto da diversidade de opiniões do painel cinematográfico do Arte-Factos, dedicamos este artigo aos grandes injustiçados, filmes enormes que não venceram o galardão principal da Academia de Hollywood. Escolhemos sete títulos, com textos de Bruna Oliveira, Edite Queiroz, Isabel Leirós, Lúcia Gomes, João Torgal, Paulo Lopes e Salomé Coelho.
Citizen Kane – Cerimónia de 1942 (Vencedor: How Green Was My Valley)
Na sua primeira longa-metragem, o prodigioso Orson Welles narra a vida de um influente magnata do jornalismo. Embora nunca confirmado, crê-se que a película se inspira em William R. Hearst, “pai” da imprensa sensacionalista e que, em 1934, após uma viagem como convidado de Hitler, se tornou voz da máquina de propaganda alemã em pleno território norte-americano. Apesar do seu actual estatuto de filme de culto, o lançamento decorreu longe da normalidade: o poder de Hearst impôs várias barreiras à divulgação e estreia do filme e colocou Hollywood contra Welles, lutando para que esta obra-prima nunca visse a luz do projector. Na cerimónia de 1942 obteve nove nomeações, de entre as quais a de Melhor Filme, mas foi galardoado apenas com o Óscar para Melhor Argumento Original e vaias do público cada vez que o título era mencionado. Isabel Leirós
Em 1976, chegava aos cinemas um dos filmes mais marcantes da história do cinema americano, Taxi Driver (lê aqui a nossa crítica), de Martin Scorsese. A jornada psicótica de Travis Bickle, representado tão brilhantemente por Robert De Niro, é um retrato do declínio moral e social de uma Nova York impregnada de ruas “sujas” pela madrugada. Dotado de interpretações brilhantes, como o já citado Robert De Niro e a ainda jovem e magnífica Jodie Foster, um argumento de qualidade irrefutável e uma banda-sonora soberba, a cargo de Bernard Herrman, que viria a ser a sua última, Taxi Driver perdeu o Óscar de Melhor Filme para… Rocky de Sylvester Stallone. Esteve ainda nomeado para mais três categorias, saindo igualmente derrotado. Não seria a única vez que Martin Scorsese viria a ver os seus trabalhos mais significativos a ser derrotados, mais tarde aconteceu o mesmo com Raging Bull (1980), que perdeu para Ordinary People, de Robert Redford. Com Óscar ou sem Óscar, Taxi Driver tornou-se o merecido filme de culto que é, sendo reconhecido como um dos melhores filmes de sempre. Bruna Oliveira
Não será o caso mais escandaloso. Bastaria lembrar-nos que, em 1999, num ano em que estavam nomeados Saving Private Ryan (Steven Spielberg), La vita è bella (Roberto Benigni) ou The Thin Red Line (Terrence Malick), a vitória foi para o estrondosamente insosso e chato A Paixão de Shakespeare. O vencedor de 1995, Forrest Gump, criou uma personagem profundamente icónica e que, por mais vasta e longa que tenha sido a carreira de Tom Hanks, marcam de forma inevitável a carreira de um actor. Era fácil simpatizarmos com o ingénuo, genuíno, intelectualmente limitado, com um coração imenso, improvável corredor e craque de ping-pong Gump. Mas, e se enquanto alguém grita “Run Forrest Run”, este fosse diabolicamente assassinado com uma serra eléctrica? Então estaríamos no universo irresistível e politicamente incorrecto de Quentin Tarantino.
Pulp Fiction foi o segundo filme do cineasta americano e o primeiro a chegar às nomeações para os Óscares. Dispensa apresentações, tem uma narrativa que torna a criação de uma sinopse num processo tremendamente difícil e é de um humor negro que ficará inevitavelmente na história do cinema. Ou se adora, ou se odeia o universo de Tarantino. É difícil encontrar um meio-termo, mas a Academia criou esse espaço. Pulp Fiction valeu-lhe o primeiro Óscar de argumento (prémio que repetiria em 2013, com Django Unchained), mas, enquanto isso, o estatuto de melhor filme ou de melhor realizador continua injustamente a escapar-lhe. João Torgal
Lost in Translation – Cerimónia de 2004 (Vencedor: The Lord of the Rings: The Return of the King)
Num hotel de Tokyo, dá-se o encontro entre dois estranhos, deslocados dos seus ambientes familiares, aí começando uma amizade capaz de transformar a vida solitária de ambos. O actor amargurado pelas suas escolhas, que o reduziram a um ícone comercial, e a estudante de filosofia, que acompanha o namorado num trabalho como fotógrafo, vão-se ligando e conhecendo-se, à medida que vão descobrindo a noite da capital japonesa. Visitam clubes de strip, cantam karaoke, frequentam estranhas festas e são expulsos de um bar. Tudo isto com uma banda-sonora incrível, incluindo “Just like Honey”, de Jesus and Mary Chain, que ouvimos também na cena final, num desfecho que continua a ser enigmático, por se desconhecer totalmente as palavras que os protagonistas trocam entre si (apesar das inúmeras hipóteses que se levantaram e continuam a levantar).
Com Lost in Translation, Sofia Coppola tornou-se a quarta mulher a ser, enquanto realizadora, nomeada para melhor filme, prémio que só em 2010, cerca de 80 edições passadas desde o início dos Óscares, foi ganho por uma mulher, Kathryn Bigelow. Não teria ficado nada mal que a estreia se tivesse dado 7 anos antes, com a atribuição do Óscar a Coppola e não a The Lord of the Rings: The Return of the King, já para não falar como teria sido desejável que tal acontecesse 20 anos antes, quando Jane Campion esteve nomeada com o brilhante The Piano, na mesma categoria. Salomé Coelho
Em 2005, chegava aos cinemas, pela mão do cineasta tailandês Ang Lee, um drama que rompeu convenções por relatar a história do amor proibido entre dois jovens tratadores de gado, Jack Twist (Jake Gyllenhaal) e Ennis Del Mar (Heath Ledger), que se conhecem no verão de 63 na montanha fictícia de Brokeback Mountain. Com um argumento muitíssimo bem escrito (adaptado do conto homónimo de Annie Proulx), o filme examina a relação entre Jack e Ennis ao longo de duas décadas, num contexto rural extremamente machista e conservador, expondo um romance condenado não apenas pela distância e pelo preconceito social, mas sobretudo pela dissonância psicológica da personagem de Ennis – um homem ignorante, moldado pelas suas circunstâncias, e portanto um homofóbico que tem a infelicidade de se apaixonar por alguém do mesmo sexo. O tema é polémico à partida, mas é tratado com uma enorme subtileza e sensibilidade, expondo não apenas as trajectórias de vida dos dois homens – escolhas moralmente impostas por um tempo marcado pela intolerância – mas as suas lutas internas, a frustração e o rumo na direcção de um destino inconformado mas inevitável. Se narrativa é comovedora e assertiva na ilustração da época, os aspectos técnicos do filme são de igual superioridade. Os protagonistas são excepcionais e o mesmo pode-se dizer das companheiras de cena, Michelle Williams e Anne Hathaway. Em particular, o trabalho de Heath Ledger como Ennis Del Mar não fica aquém da excelência; o actor soube criar uma personagem difícil, dividida entre os seus afectos e valores, e conferir-lhe uma enorme dimensão interior: angustiada, hesitante e em permanente sofrimento. Em pano de fundo, a lindíssima banda-sonora de Gustavo Santaolalla e a fotografia de Rodrigo Prieto, a homenagear a beleza de uma paisagem inalterada pela passagem do tempo ou pelo rumo da história – a Brokeback Mountain majestosa, lugar de todos os encontros e separações. Um filme arrebatador, que partiu como favorito na corrida aos Óscares em 2006 com um total de 8 nomeações, que incluíam o prémio de melhor actor para Heath Ledger e os de melhores secundários para Jake Gyllenhaal e Michelle Williams. Venceu o melhor argumento adaptado, a banda-sonora e a realização – uma espécie de prémio-consolação para Ang Lee, que viu o seu filme perder o galardão principal para Crash, o filme-mosaico de Paul Haggis do qual já ninguém se lembra. Edite Queiroz
Inglorious Basterds – Cerimónia de 2010 (Vencedor: The Hurt Locker)
Num ano em que a estatueta foi para The Hurt Locker, de Kathryn Bigelow, ficou para trás o épico Inglorious Basterds. Antes de mais é importante fazer uma declaração de interesses: não creio que a «Academia» prime em atribuir distinções tanto à qualidade como ao sucesso de bilheteira. Dito isto, percebendo-se que os americanos e a guerra são sempre materiais oscarizáveis, a reescrição ousada (atrevida!) da história mundial de Tarantino foi uma pedrada no charco.
Com interpretações absolutamente incríveis de Christoph Waltz (col. Hans Landa), Michael Fassbender (Archie Hicox), Mélanie Laurent (Shosanna) ou Brad Pitt (Lt. Aldo Raine), Tarantino lança-se na aventura de mais um filme sobre a II Guerra Mundial e consegue o impensável: a crueldade inominável de um sistema político e ideológico que destruiu parte da Europa e matou milhões é derrotado pela vingança de uma rapariga que viu os pais morrer e, praticamente sozinha, mata os principais responsáveis numa vernissage cinematográfica. Não podia ser mais simples e ao mesmo tempo tão sarcástico, violento e brutal e com personagens tão complexas. Os diálogos variam entre o absurdo e o tratado político, a fotografia é impressiva e a banda-sonora irrepreensível (entre Morricone e Bowie) e o tempo dirigido com a mestria de Tarantino: cada cena tem o tempo necessário e o desfecho imprevisível no momento certo. Além de provocar um sentimento de conseguimento (!) de vitória sobre o nazi-fascismo que, infelizmente, não teve estes contornos. Um filme em todo superior a mais um sobre americanos e a guerra, que se diferenciou na clássica primeira vez. Desta feita, a uma mulher. Nem o cinema nem as mulheres saíram «vingadas» na cerimónia de 2009, no que ao melhor filme diz respeito. Lúcia Gomes
Black Swan – Cerimónia de 2011 (Vencedor: The King’s Speech)
Num ano de certo modo competitivo, com um grupo de obras muito variado em linguagens e temáticas, mas com um vencedor demasiado “limpinho” (The King’s Speech), Black Swan era, sem dúvida alguma, a obra mais transgressora, original e a mais completa em competição. Natalie Portman deu corpo e alma a uma das personagens mais complexas e simultaneamente mais humanas do cinema recente, o que resultou numa interpretação irrepreensível, algo nunca visto e posteriormente nunca mais alcançado na sua já longa carreira da actriz, no entanto Black Swan merecia muito mais do que a merecida premiação para melhor actriz principal.
Darren Aronofsky, um dos mais brilhantes realizadores da actualidade, é o homem por detrás deste drama em forma de thriller psicológico que segue a trajectória trágica de Nina, uma frágil e empenhada bailarina de uma companhia de ballet, sugada pelo amor e entrega ao seu trabalho. Intenso, misterioso, intrigante e uma panóplia de adjectivos mais, orquestrado pela soberba banda-sonora de Clint Mansell, que valoriza e acentua uma realização de carácter estilizado, intenso, imersa num imenso estado de inquietude permanente. Black Swan… uma das mais representativas obras cinematográficas do século XXI, que ao longo dos anos se tornará um objecto de culto (um estatuto mais do que merecido). Paulo Lopes
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)