Faleceu Gene Wilder, vulto da comédia cinematográfica

por José V. Raposo em 31 Agosto, 2016

A comédia não sai a gosto deste mês: deixou-nos, aos 83 anos, Gene Wilder, vulto da comédia cinematográfica norte-americana dos últimos cinquenta anos. Nascido Jerome Silberman em Milwaukee, no Wisconsin, cedo o Midwest se tornou pequeno e monótono demais, tendo a família enviado Wilder para um colégio militar em Los Angeles – experiência que o terá marcado física e psicologicamente. Daí partiu para o Iowa, depois para a Bristol Old Vic Theatre School (de Laurence Olivier), a seguir para o serviço militar obrigatório e por fim para uma série de empregos pitorescos, desde motorista até instrutor de esgrima. A estreia em cinema viria, por fim, num pequeno papel no clássico Bonnie and Clyde, no qual a expressão facial de Wilder é sintomática do seu talento.

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Actor cómico completo, tanto se deu bem nas farsas slapstick de Blazing Saddles (1974) como no humor mais subtil de The Producers (1968). Nas primeiras, o seu nome tornou-se inseparável das comédias do igualmente grande Mel Brooks, numa relação simbiótica que até nomeações para Óscares rendeu; nas segundas, um irmão gémeo cómico de Richard Pryor [na imagem], em Silver Streak (1976) e Stir Crazy (1980).

De entre todos os actores que colaboraram com Mel Brooks, Gene Wilder talvez tenha sido o mais importante e icónico. Não só interpretou na obra-prima de Brooks, The Producers (que lhe valeu uma nomeação para o Óscar de melhor actor secundário), como também engrandeceu Blazing Saddles e Young Frankenstein – co-argumentista nesta última, em mais uma nomeação para Óscar, desta vez em melhor argumento adaptado. Chame-se-lhe química judaica norte-americana ou simplesmente talento a dobrar, o certo é que são três clássicos absolutos da comédia norte-americana.

Contudo, foi longe da crítica mordaz e escatológica típica de Brooks que Gene Wilder interpretou o seu mais famoso papel: o de Willy Wonka, na adaptação ao cinema da obra de Roald Dahl, sob o título Willy Wonka & the Chocolate Factory (de Mel Stuart, 1971). Aqui cimentou a sua versatilidade e estabeleceu a versão definitiva da personagem, numa interpretação muito superior ao Wonka de esgar frenético e de drogado de Johnny Depp, em 2005. A partir dos seus olhos azuis, traça um Wonka enigmático, imprevisível e idiossincrático, castigando criancinhas irritantes e chefiando oompa loompas em cores lisérgicas.

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Para além de actor, também dirigiu a acção atrás das lentes, estreando-se com The Adventures of Sherlock Holmes’ Smarter Brother (1975), gozando com Rudolph Valentino em The World’s Greatest Lover e prosseguindo, na década de oitenta, com The Woman in Red (1984; nomeação para Óscar de Melhor Canção Original para I Just Called To Say I Love You, de Stevie Wonder) e Haunted Honeymoon, um trabalho menor.

Não sendo uma figura pública que regurgitava inanidades no Twitter, o antigo Dr. Fronkensteen retirou-se discretamente (gostava do show mas não do business, dizia) e dedicou-se à filantropia e à escrita – uma associação de apoio a vítimas de cancro (que vitimou Gilda Radner, terceira mulher de Wilder) e livros de memórias e de contos.


sobre o autor

José V. Raposo

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