Reportagem


Aerosmith

A não conformação

Meo Arena

26/06/2017


© Everything is New / Alexandre Antunes

Em noite de despedida anunciada, o sentimento foi de não conformação com a mesma. A verdade é que os Aerosmith já não pisavam solo português há largos anos – desde o festival T99, em 1999 para sermos exactos – mas nem só pela saudade a noite soube a pouco. É paradoxal que uma banda ainda com tanto vigor e experiência possa dar-nos a ideia de que é aqui que tudo acaba. Seja marketing, seja decisão definitiva, estivemos perante uma demonstração de rock que poucos sabem fazer.

É por volta das 22h que o palco começa a mexer, com um vídeo ao centro acompanhado pela imponente “O Fortuna”, de Carl Orff. O vídeo tem exactamente aquilo que esperamos que anteceda um concerto de “despedida”: todas as capas de álbuns e momentos icónicos da banda, imagens de concertos ainda nos primórdios, todo um percurso ao longo de mais de quatro décadas.

Com a oportuna “Let the Music Do the Talking” a começar, surgem primeiro gradualmente em palco. E de facto, a música fala por si mesma e desde logo percebemos em quão boa forma estão. Da extasiante “Nine Lives”, passando por “Rag Doll” até chegarmos ao primeiro grande hit, “Livin’ On The Edge”, que o público mostra conhecer bem, há toda uma energia inegável que recebemos da banda.

“Love in an Elevator” é uma canção resistente aos tempos, cantada por pessoas que nem eram nascidas quando foi lançada e talvez uma das que mais rapidamente nos vem à cabeça quando pensamos em Aerosmith. “Falling in Love (Is Hard on the Knees)” mostra-se uma faixa orelhuda e fácil de acompanhar mesmo não conhecendo a letra. Temos também direito a duas versões, “Stop Messin’ Around” e “Oh Well” ambas dos Fleetwood Mac.

De Permanent Vacation, datado de 1987 chega “Hangman Jury” e com “Seasons of Wither” recuamos ainda mais no tempo, até 1974. “Sweet Emotion” leva-nos de volta aos hits comerciais e traz grande cantorias por parte do público, principalmente do feminino. “Boogie Man” é mais uma passagem de Get a Grip, de 1993. E eis que chega um momento muito aguardado, “I Don’t Want to Miss a Thing” cantado a plenos pulmões por todos. É inegável e até o mais relutante e die-hard dos fãs não pode ignorar este tema.

Este é um concerto de despedida mas há pelo meio algumas versões, como por exemplo a inesperada “Come Together” dos Beatles e talvez uma das melhores covers de sempre deste tema e um dos melhores momentos musicais da noite. Voltamos de novo a Get a Grip, um dos mais bem sucedidos álbuns da banda, a nível comercial com a mais discreta “Eat the Rich” e a mais reconhecida “Cryin’”. “Dude (Looks Like a Lady)”, sendo uma das faixas mais icónicas, pôs todos a saltar e a cantar, sem excepção.

O encore começa com “Dream On”, tocada ao piano por Steven Tyler e acompanhada pelo virtuoso Joe Perry. Ambos acabariam por subir ao cimo do piano (há uma escadinha colocada estrategicamente ao lado do instrumento para esse momento) e digamos que é um momento daqueles para contar aos netos. Steven Tyler, como durante toda a noite, esteve no seu melhor e não desiludiu nos falsetes. Há ainda tempo para mais uma cover, desta vez de James Brown, “Mother Popcorn”, brilhantemente interpretada, mas algo a que o púbico respondeu com menos entusiasmo – e menos telemóveis no ar – do que algumas canções anteriores. Sem interrupções, a música termina passando a bola aos primeiros acordes de “Walk This Way” e o caso muda de figura. No final, a despedida é apoteótica, com direito a confetis e fumo, típico festim americano. Dúvidas houvesse, foi uma performance irrepreensível, não fosse esta apelidada de “A Maior Banda de Rock and Roll da América”.

O público, ou pelo menos a maior parte, esteve sempre mais preocupado em gravar o momento mais importante com o telemóvel de última geração – é mais importante mostrar aos amigos do que envolver-se com o concerto em si -, apesar da energia contagiante de Steven Tyler, que pedia um público aos saltos. Talvez seja um sinal dos tempos e a nova forma de as pessoas expressarem o gosto por uma banda. No entanto, a mistura de gerações é surpreendente e mostrou que os Aerosmith são dos poucos resistentes ao tempo.


sobre o autor

Andreia Vieira da Silva

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