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Como assim há concertos fora dos festivais de verão em Agosto? Como é que se espera que alguém, por esta altura, tenha interesse em eventos sem as palavras “paredes” e “coura”? A julgar pela fila que serpenteava em frente ao Coliseu de Lisboa ontem à noite, a resposta parece clara: com um concerto de Ben Harper, pois claro. Não bastasse essa surpresa, ainda não eram as 20h30 e já havia fila. Só nós é que devemos ter recebido o comunicado a informar da mudança de horário do concerto para as 22h30, com a primeira parte, a cabo dos Club Del Río, a começar às 21h30.
E já que os mencionamos, falemos um bocadinho sobre os madrilenos. São três e usam chapéu. Dois deles, boinas, portanto, de esquerda, pela certa. Os temas das canções, quando não são sobre mulheres e o amor, também indiciam uma preocupação política que deixaria o Bob Marley – e o Ben Harper – orgulhoso. Musicalmente, vão beber à folque norte-americana e, muito timidamente, à música cubana. Ocorrem-nos os nomes dos Milk Carton Kids e de Tallest Man On Earth para os descrever. O público pareceu gostar; a casa estava composta e os espanhóis saíram com nota positiva. Em inglês e com “obrigados” em português, agradeceram ao público que os aplaudia e aproveitaram para mencionar a tremenda honra que era partilhar o palco com Ben Harper. Uma meia hora de concerto que não nos importaríamos de repetir.
Entre a saída do trio e a chegada a palco de Ben Harper a espera dava-nos o mote para medir o pulso ao público e para colocar o nosso chapéu de antropólogo. Há alguns estrangeiros a aproveitarem os preços dos bilhetes em Portugal, mas a maioria do público terá mais de 40. Se a média não tiver sido tão alta muito se deve às famílias que se faziam acompanhar dos seus petizes.
Face a estes dados, empiricamente recolhidos, nem acreditamos no que estamos prestes a escrever.
Ben Harper parece-nos um tipo porreiro, daqueles que até poderia ser irritantemente boa pessoa se não parecesse tão sincero, é um bom músico – mais! – é um “músico de músicos”, e a sua música é perfeitamente afável… Dito isto, o público de Ben Harper é mau. Expliquemos: o público aprecia e manifesta-se durante o concerto, e parece genuinamente feliz por ter ali o músico, mas isto é gente que não sabe estar em concertos. Claro que estamos a exagerar, mas uma minoria de 20% que se faz notar, acaba por definir um público. Se uma sopa de batata tiver 80% batata e 20% cocó, não há volta a dar, é sopa de cocó.
Ainda os Club Del Río estavam em palco, levanta-se uma voz de um tipo ao telemóvel a dar indicações a outra pessoa sobre como chegar a ele, um grupo de amigas que consultava o Facebook ria-se desbragadamente com uma inanidade qualquer, a quantidade de selfies, vídeos e fotos COM FLASH era incontável. A primeira coisa que se ouviu quando Ben Harper entrou em palco foi um tipo gritar “DÁ-ME O TEU CHAPÉU”! Mas quem são estas pessoas? Conhecem aquela sensação de estar num espaço fechado, às escuras a ouvir um concerto intimista com nada mais do que o som que vem de palco? Espero que quem tenha ido ontem ver Ben Harper a dispense, porque se a luminosidade dos ecrãs dos smartphones não estragaram a imersão, os energúmenos participativos e as pessoas que os mandavam calar encarregaram-se disso.
Gente com idade para ter juízo a comportar-se como uma turma do quinto ano da Amadora no primeiro dia de escola.
Foi difícil desfrutar do concerto assim. A presença de Ben Harper em palco pouco se impõe. O americano é de uma simpatia sincera, mas é pouco falador. Ao entrar em palco – sozinho, que os The Innocent Criminals ficaram em casa – lança-se ao primeiro tema instrumental sem dizer nada. Ainda se ouve “Lifeline” antes de cumprimentar o Coliseu com sinais de paz e tirar de chapéu.
Assim despidas, as canções revelam o que é a melhor arma do arsenal de Harper, guitarrista de provas dadas, mas cuja voz é um tesouro nacional. As vozes do público não tarda se lhe juntariam, mas foi sol de pouca dura. “Excuse Me Mr.” foi o primeira tema com direito a acompanhamento, mas só voltaríamos a ouvir o coro de fora do palco em “Diamonds On The Inside”. No entretanto, ouviu-se “Please Bleed” que à guitarra eléctrica foi – uh – não bom.
Em nome próprio e sem banda de recurso, este tipo de espectáculos vivem sobretudo da atmosfera. Ben Harper tem um reportório perfeitamente ameno. Apesar de politicamente carregado, a mensagem cai muitas vezes como uma frase inspiradora numa foto de cachorrinhos que partilhamos no Facebook. Não diríamos que há falta de garra, porque nunca seria essa a ideia, mas falta crueza na entrega. E não há nada de errado nisso, mas o pacifismo em palco contrastou demasiadas vezes com os “sssh” cá em baixo. Ainda assim houve momentos genuínos que nos ficam na memória. O erro em “I Was Born To Love You” foi a melhor parte do espectáculo, com Harper a levantar-se do piano com os braços no ar a bradar jocosamente “I fucked it up”. Ou o tema que encerrou o espectáculo, “I’m Trying No To Fall In love With You”, que nos dá um Ben Harper que parece chateado por falhar em fazer o que canta. De resto, os temas que toda a gente queria ouvir, “Power Of The Gospel”, “Amen Omen” e “Sexual Healing”, acusam cansaço. O público canta-os como um fait-diver. Não houve nada errado com a performance, mas se ela não oferece algo melhor que a experiência de ouvir em casa, qual é a ideia? Talvez com o próximo álbum, do qual já ouvimos ” I Trust You To Dig My Grave”, renasça um novo entusiasmo.
Estamos a ser demasiado duros? Nem conseguimos perceber. O público é uma parte integrante destes certames e vamos precisar que uns quantos membros do público de Ben Harper faça um workshop em noção para nos voltarmos a interrogar.
O músico despede-se com um shout out para os skaters da Praça da Figueira e com a declaração de que esta foi “the greatest night of my life”. O homem já foi pai cinco vezes, portanto, tomem-no com uma colherzinha de sal.