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Depois de uma valente estreia no festival em 2019, os black midi, banda londrina que tem conquistado para si o título de uma das melhores bandas do planeta, foram promovidos ao palco principal. Desenganem-se os maledicentes, porque no caso dos black midi promoção não significa acomodação, só subversão num palco maior.
Um grupo deste calibre merece que se esteja a levar com chuva no lombo e a tentar escrever no meio da multidão. Afinal de contas, é a sexta vez em cinco anos que os vemos (talvez seja patológico) e praticamente ninguém tem um percurso como o deles. Talento de um lado e devoção do outro.
Há coisa de uma década, o panorama da música popular no Reino Unido estava em estado crítico. O que cá chegava aos festivais grandes ou era clássico em digressão de reunião para comprar casa nova (Stone Roses ou Libertines) ou era simplesmente indie do aterro (Vaccines) ou estava já a cair na banalidade (Arctic Monkeys) – isto sem sequer colocar questões de representatividade de outros géneros e estilos, ainda que já houvesse uns Forest Swords a passar por cá.
Se no ano passado os Linda Martini ali proclamaram que o amor é um combate, este ano a mera introdução à la Michael Buffer dos black midi no PA anunciava que estávamos num ringue perante a banda mais trabalhadora do show business, a colossal supercampeã em título do mundo, sem derrotas e em apenas três palavras: “BLACK… HELLFIRE… MIDI!!!”
Mas a intro não se ficava por aqui, que os tipos são imprevisíveis. “Suavemente, bésame…”, letra da obra cimeira do Caribe Mix 2000, que decerto que estará num recanto escuro das vossas estantes, saía das colunas. Suavemente podia era cair a chuva mas, como um pensador da bola certa vez disse, temos de jogar com esta porque não há outra.
Entre risadas, cantorias e passos de dança do público com a canção de Elvis Crespo, um a um os membros de black midi infiltravam-se e tomavam o seu lugar em palco, fosse a rodopiar a guitarra no ar ou bailando como se estivessem numa bodeguita algures em San Juan. Claramente uma daquelas vezes em que já se sabe que isto vai ser rijo quando nem ainda um acorde lhes saiu dos instrumentos.
O sentido de humor da rapaziada entrou logo em acção, pois então. Em vez do já tradicional arranque de concerto com 953, os gozões martelaram Welcome to Hell. Alguma coisa o chão deve ter feito ao público, porque este só lhe saltava em cima até porque, segundo ditam o general Patton e os black midi, não é a morrer pelo nosso país que se ganham as guerras, mas antes a matar pelo nosso país. E ali a Primeira Divisão de Infantaria Courense estava disposta a metralhar quem aparecesse, em armas combinadas com os londrinos. Não é exagero, é amor à camisola.
Por nós, acabem imediatamente as dúvidas: os rapazes continuam subversivos e imprevisíveis. Já por várias vezes mencionámos o quão expansivas são as versões ao vivo em relação aos originais de estúdio e com black midi não foi diferente; se faltam sopros em Sugar/Tzu compensa-se com mais uma camada de guitarra ou se Talking Heads em estúdio é um peso-médio, ao vivo e a cores é de pesos-pesados.
Tal como na estrada em dia de chuva, também o trânsito e as colisões aumentaram na zona das grades. Se em The Walkmen e Yung Lean já se tinha assistido a um pit com fúria, em black midi foi um rasgo de arromba – devidamente registado por quem, corajosamente, registava o concerto em vídeo enquanto tinha gente a passar por cima de si no crowdsurf.
Entre os co-autores mediatos destas façanhas estão Geordie Greep e Morgan Simpson. O primeiro, guitarrista e vocalista, é um meia-leca gozão de primeira na Internet e uma espécie de Andy Gill/D. Boon/Robert Fripp contemporâneo munido de uma voz displicente e fanhosa e o segundo o baterista, daqueles que merece o epíteto de “casa das máquinas”.
Diz-se que Viktor Gyökeres é um avançado que carrega sobre a área adversária durante noventa minutos. A sua versão de baquetas na mão e pé no pedal é Morgan Simpson, que durante sessenta minutos foi uma fábrica de ritmo idiossincrática na veia de Jaki Liebezeit e Billy Cobham – ambos de bandas igualmente imprevisíveis, denote-se.
Numa genial versão de Slow, naquilo que parece uma pseudo-cacofonia em que cada um toca a sua coisa, tudo se junta numa jarda incomensurável, num apogeu a que só as grandes bandas sabem dar seguimento. Hipérbole? Quem vê uma banda deste calibre tem mesmo de recorrer a adjectivos extremamente favoráveis. Hipérbole neste concerto só mesmo em quem se encavalitou em costas alheias e meteu as mamas ao léu.
Por falar em montar, a cavalgada de John L não deu tréguas, como uma horda mongol estepe fora. Pela mesma toada foi a carga final de 953, canção fundamental que apresentou os black midi ao mundo em Schlagenheim. Subversiva, absurda(mente boa), poderosa e diferente. Boa a abrir e a fechar concertos.
Poder-se-á discutir se a banda não será demasiado próxima de uns King Crimson ou Minutemen para ser considerada verdadeiramente original ou se tocar num festival patrocinado por uma multinacional de telecomunicações (britânica, ainda por cima; conspiracionistas PRECianos diriam que está tudo ligado) não anulará a subversão da banda. Tudo conversa fiada enquanto os socos sónicos rolam no palco, porque nesse teste do algodão os black midi são aprovados com distinção e louvor, por knockout.
Não houve toque da campainha, mas o combate terminou. Wonderful Life de Black ecoou pelo recinto e a alma registava depósito cheio.
A chuva, supostamente só de molha-malucos, persistia. E nós estávamos todos molhados.