Reportagem


Bury Tomorrow + The Year + ARY

Não menos violentos

RCA Club

24/02/2019


Sejam bem-vindos a mais uma crónica semanal de “O Arte-Factos vive no sótão do RCA”, que só por convenção insistimos em chamar de reportagens. Depois de há duas semanas termos tecido rasgados elogios ao certame que trouxe Michale Graves a Portugal, um novo domingo trouxe-nos ao palco de Alvalade para assistir a Bury Tomorrow, ARY e The Year. Voltem cá depois de sexta para ler sobre Discharge e assistirem à degeneração destas introduções em meta-linguagem tão intertextual que precisará de um apêndice de referências para fazer sentido.

Os Bury Tomorrow regressaram a Portugal para promover o disco de 2018, Black Flame, e trouxeram consigo o que de melhor se faz por terras do metalcore. Agora que os Bring Me The Horizon se dedicaram a irritar a sua base de fãs com amo, e os Asking Alexandria, tal como os Any Given Day, estão tão decididos em continuar o piscar de olhos ao sul dos EUA que começam a soar a Breaking Benjamin, cabe aos ingleses de Southhampton, em conluio com os  While She Sleeps e os As I Lay Dying, a missão de manter o género intragável para normies – como se quer.

No palco do RCA não o fizeram sozinhos. ARY e The Year, bandas cá das redondezas, mostraram que o metalcore nacional também está em boas mãos.

Os ARY descrevem-se a si mesmo como Electro-Rock com guitarras pesadas. Juntemos-lhe uma bateria interessada a competir nos campeonatos de velocidade da NWBHM e no fundo estamos a falar das mesmas paisagens sónicas das outras duas bandas em palco. Mas com um MacBook.

O quarteto tem na vocalista, Eryka Martyns, a sua figura mais expansiva. Sempre irrequieta em palco atira-se aos temas com uma temeridade que não encontra muitos pares. Claro que cometeríamos uma injustiça não reconhecendo o esforço coeso de toda a banda em criar uma sonoridade que tem tanto de peso como de pop. E não os queremos vender por pouco; os ARY são um caso sério de talento. No pouco tempo que tiveram, enquanto estiveram em palco descolaram o público do RCA do chão. Quando já no fim do concerto o guitarrista pergunta “Quem é que está a ver ARY pela primeira vez?” um mar incontável de melómanos levantou o braço. Fica o nosso elogio: quando uma plateia de estreantes que nem estava ali por vocês se comporta como fãs dedicados, sintam-se à vontade para levar a bicicleta para casa. “Lindo,” foi o único adjetivo que ocorreu à banda, que até parecia surpresa. Tragam-lhes o horizonte – piada ambivalente porque a tempos soavam aos rapazes de Sheffield – porque os ARY conquistam-no.

Chegava a vez dos The Year. E por “chegava” queremos dizer “demorava”. Se apontarmos algum defeito ao espetáculo é que parecia ter soundchecks feitos em cima do joelho. Em boa verdade, a banda nem entra propriamente em palco. Ela já lá estava quando o vocalista faz um último teste de som ao microfone e anuncia “bem, bora lá começar. Finjam que saímos e voltámos a entrar.”

Podem até não ter os valores de produção dos ARY, vulgo, dois painéis com o nome da banda, mas são mais comunicativos e beneficiam do factor “gajos que parecem porreiros para emborcar umas minis”, ou, eventualmente, o que quer que seja a versão straightedge desse ritual. A certa altura, depois duma tirada qualquer do baterista para a mesa de som, o vocalista comenta que “parece um tasco.”  É por aí. Também somos fãs de bandas que apresentam temas via pantominas e onomatopeias: “‘Full Damage’, quem conhece mesmo The Year sabe que este é mesmo *saltos e sons de chugs.” Na altura teve muita graça, agora que temos que o transcrever estamos a rir menos.

Mais punk-interventivos do que as outras bandas da noite, dispararam temas como “Salves R’ Us” e “Death By Media” na direção de Alvalade, que ia fazendo a festa com a banda. É difícil encontrar o equilíbrio entre ser uma banda com uma mensagem vincada, e uma banda que sabe não se levar demasiado a sério. Os The Year parecem ter tropeçado naturalmente nele. “Estou sem palavras”, diziam-nos no fim. Agora que a cena de Setúbal acalmou, Pombal pode suceder-lhe. É só fazer dos The Year os More Than A Thousand da zona de Leiria.

Finalmente, chegava a banda que se mantivesse a promessa do seu nome teria enterrado a segunda-feira que se aproximava. Infelizmente, os Bury Tomorrow não foram capazes de impedir a falta de respeito que é o início da semana de trabalho. Pior! Sairíamos do concerto com a distinta sensação que tudo aconteceu num ápice e que por nossa vontade ainda lá estaríamos.

A banda entraria a todo o gás após mais uma sessão de soundcheck de última hora. “No Less Violent” é despachada em jeito de garantia: ainda que estejamos já mergulhados nos anos “scene” do metalcore, a banda não pretende extraviar do som que lhes granjeou o sucesso. O que se sucederia é o affair previsível e, em gíria, “aquilo ao que viemos”. Moshe do princípio ao fim, refrães para fazer saltar a carótida, elogios aos portugueses e, só para colocar a cereja no topo do bolo, um reforço da ideia que o público português bate o espanhol aos pontos. Estamos só a acreditar nas palavras que o vocalista com o mui monárquico nome, Daniel Winter-Bates, nos disse. E aqueles olhos azuis não mentem.

Por falar nisso; já o tínhamos reparado no concerto de Deez Nuts, mas o que se passa com os vocalistas de olhos azuis que quando não estão a cantar com cara de homens possessos pelo demo, têm um semblante que expressa toda a bondade do mundo? E as semelhanças não ficam por aqui, Daniel ecoaria no domingo o mesmo sentimento dos australianos de que a missão mais importante da banda era garantir que o quem vai aos concertos saia com a sensação de dinheiro bem empregado e de “sorriso na cara”.

“We’re very glad people have enjoyed our latest album, but we have four previous albums”, lembrava-nos. “We’re old”.  Black Flame, que saiu em 2018, é capaz de ser o mais bem concretizado dos trabalhos da banda, mas importa não esquecer que a banda chegou aqui graças à força de temas como “Royal Blood” e “Lionheart”. No que ao RCA concerne, a lição estava bem estudada e os temas na ponta da língua. “We’ve played some big venues, but you are one of the loudest singing crowds”. Os elogios caem sempre bem, mas é dificil acreditar que não sejam sinceros. Quando ao último tema da noite, o público é solicitado para cantar, imaginamos que no do outro lado da rua, na redacção d ‘O Observador, um direitolas ganhava as suas asas enquanto dizia “raios parta esta miudagem”. “Black Flame”, o tema homónimo do álbum, é uma canção para ganhar lugar cativo no fim dos concertos de Bury Tomorrow daqui até à morte térmica do universo.

Na despedida, Daniel está no balcão do bar do RCA a cantar e por lá se deixou ficar a tirar selfies com quem as pedia. Durante o concerto houve promessas de voltar cá mais vezes, até porque como o próprio dizia “everytime we come here, I always wonder why we don’t come more often”. Também não sabemos.

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(Fotos por Jorge Escórcio de Almeida)

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Jorge De Almeida

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