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Ninguém diria que isto se passaria assim, quando, em Janeiro, o disco de Conan Osiris justificadamente alastrou a sua presença pela internet fora. A primeira onda de reconhecimento foi subterrânea, mesmo que entusiasmada e espalhafatosa, mas seguiram-se alguns momentos de toque com uma maior audiência — como a entrevista com a Blitz, ou a passagem pelo prime time televisivo português. E então, a ascensão de Conan (entre có-nan e conân há um limbo) é surpreendente.
Mas… será mesmo? Argumentaria que ADORO BOLOS. é um dos mais progressivos discos portugueses dos últimos anos: um gigante melting pot de influências da música nacional, suas derivações geográficas, e outros apontamentos aleatórios; como um exercício de colagem feito de ouvido bem arrebitado. E a exploração que faz de diferentes estilos e géneros, a tecelagem predominantemente electrónica, fazem crer que o disco resultaria bem em palco; ao vivo, e com a vida de Conan (Tiago Miranda, na verdade) a acontecer ali mesmo.
Ora, aconteceu: e quem diria que, de todos os possíveis sítios — porque tínhamos apostado numa Feira Popular, ou mesmo, na melhor das hipóteses, numa Queima das Fitas qualquer — este melro havia de cantar no Theatro Circo. Ninguém diria.
O encontro marcou-se para o dobrar da meia-noite de sexta-feira (não me recordo de outro exemplo tão tardio nesta sala); e assim devia ser sempre, quando justificável. Ainda antes da hora, já muitos se reuniam à porta do Theatro para dois dedos de conversa, regado a minis e outros que tais. Confluía bonita energia, mais um ténue sentimento de insurreição, ou incoerência, com o mundo real e ordenado: um dos fenómenos mais sui generis da nossa cultura nos últimos anos materializar-se-ia ali, no Pequeno Auditório do Theatro Circo, por si só uma das mais históricas e austeras salas do país. Esgotaram os bilhetes.
O acesso ao Pequeno Auditório faz-se após descer vários níveis de escadas, no átrio principal do Theatro. É uma sala mais pequena, que tem sido utilizada para projecções de cinema, e com capacidade para cerca de 200 pessoas sentadas, distribuídas entre uma cascata frontal e dois corredores que ladeiam o contorno do palco. E, claro, passou-nos pela cabeça que não seria a proposta de local ideal, sobretudo pela restrição dos lugares sentados.
E, finalmente, surgem dois vultos pelo meio da escuridão, Conan il même e seu dançarino João Moreira. O êxtase — o entusiasmo! Depois de um enorme aplauso e gritos vários, Conan agradece e começou por cantar, a cappella, uns versos que aludem à natureza da sua própria música. E não querendo induzir em erro por falha de memória, parece-me que à pergunta de “o que é isto ao certo”, “que estilo é este que ele canta”, a resposta foi, e julgo citar correctamente, “é a mãe do Kevin”. Seja como for – mãe do Kevin ou não – é uma entrada que faz jus ao que esperaríamos de Conan, desconcertante e genuíno, como se não conhecesse o limite entre a ironia e sinceridade.
Logo depois desse momento preliminar, ainda naquela fase de aproximação entre artista e seu público, agradeceu a oportunidade e salientou ser o seu primeiro concerto em nome próprio (quando falámos, em Janeiro, não havia sequer ideia de como trazer o disco para um espectáculo). E a festa começaria pouco depois, não sem antes convocar o seu público para “levantar a peida”, repto necessário ao qual virtualmente toda a sala acedeu.
A Conan perdoamos-lhe, claro, todo e qualquer vernáculo a que possa recorrer. Em ADORO BOLOS. (como já anteriormente, ainda que em menor escala, em MÚSICA, NORMAL) há um domínio de uma língua portuguesa absolutamente sua; uma genuinidade que, com gosto, se vê reflectida na quantidade de pessoas que sabem as letras. E se consideramos a desenvoltura com que geriu os ritmos e as pausas do seu espectáculo, as interacções com o público e as várias incursões que fez, a correr, pela sala e pelo meio dele, dificilmente acreditamos que apenas este ano se dedicou aos concertos. Tiago Miranda está talhado para isto, um natural escangalhador.
Sem surpresas, o alinhamento incidiu em todo o ADORO BOLOS. e mais duas canções anteriores (CORUJA e AMÁLIA). Pelo menos uma das músicas, EIN ENGEL, foi alterada a nível instrumental (impossível perder eu tou a espera dum anjo / pa me levar ao kebab), e todas as outras transcenderam a sua versão gravada: o trabalho vocal de Conan é assertivo e energético, assim como os movimentos de seu compincha João Moreira, que não tentaremos replicar por motivos de impossibilidade; e mesmo o jogo de luzes resultou muito bem. Ao vivo, a electrónica sobressai e dá uma outra vida ao disco, num registo que adivinhávamos ser vencedor desde o início.
Ficou tudo resolvido em cerca de uma hora, que passou rápido e esperamos repetir em breve. Conan Osiris replicará esta experiência por este Portugal fora, numa série de concertos neste verão, e aguardamos o seu próximo passo, certamente influenciado pela possibilidade de concerto que agora acaba de desbloquear. Aguardamos-te, rapaz do futuro; volta rápido.
Interesso-me por muitas coisas. Estudo matemática, faço rádio, leio e vou escrevendo sobre fascínios. E assim o tempo passa. (Ver mais artigos)