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Perto de quatro horas de concerto não é muito para quem esperou duas décadas para ver ao vivo a Dave Matthews Band, acreditem. Duas décadas sim, porque a paixão pela banda de muitos dos que ontem encheram a Meo Arena em Lisboa, já vem de bem lá atrás, algures nos anos 90 quando tudo começou, paixão esta que nas duas vezes que a DMB passou por Portugal, em 2007 e 2009, não conseguiu saciar. E terá sido com esse pensamento que Dave e os seus companheiros prepararam para ontem o set de sonho de qualquer fã seu de longa data, uma autêntica declaração de amor ao público português. Quem foi em busca da DMB dos hits recentes da rádio e televisão, terá olhado várias vezes ao bilhete para garantir que estava no sítio certo, pois quando a intemporal “Warehouse” abriu a noite, ainda estávamos longe de acreditar que nas horas seguintes nos seriam oferecidos tantos tesouros da época dourada dos “Big Three” (Under the Table and Dreaming, Crash e Before These Crowded Streets, os primeiros álbuns de estúdio).
Com excepção de um ecrã, que ofereceu por vezes imagens dos músicos e por outras complementou a mensagem de cada música, à nossa frente está um palco despido de distrações e de gadgets (nem nos sonhos mais futuristas alguma vez veremos drones sobrevoar um concerto de DMB) e a única coisa que verdadeiramente impressiona, enquanto aguardamos ansiosamente a entrada da banda, é o colosso da bateria do maestro, e muito querido por todos, Carter Beauford, que dali por instantes irá arrancar as maiores ovações do público, com o seu sorriso contagiante. Bateria, guitarras, um piano, metais, baixo e violino, é quanto basta a estes humildes gigantes da música e o espaço que sobra destina-se ao sapateado epiléptico de Dave e aos seus vários duelos pela noite com o violino de Boyd Tinsley.
Corações ao alto e explosão colectiva de alegria quando finalmente a DMB sobe ao palco da Meo Arena e, pela cara dos repetentes, diríamos que ainda não recuperaram da surpresa da recepção eufórica de 2007. Dave, atónito, agradece com um modesto “Obrigado”, antes dos primeiros acordes de crescendo tenso de “Warehouse” se soltarem para ritmos quentes com reminiscências do ska jamaicano. É que o som que a DMB procura será dos mais difíceis de catalogar, pois as suas influências vêm de estilos tão diversos como o jazz, o funk, o bluegrass ou até a folk americana. Para refrear a loucura já instalada na sala, o melhor mesmo é apresentar a sonhadora “Black and Blue Bird”, que deverá fazer parte do próximo álbum em que a banda já começou a trabalhar e que talvez seja lançado para o ano. Daqui até ao intervalo, para o segundo set, embarcamos numa viagem irreal por várias das faixas mais emblemáticas da banda. A indagadora “Dancing Nancies”, hoje com dedicatória nossa, “Could I have been lost somewhere in Lisbon?”. Uma visita ao álbum a solo de Dave, Some Devil, na arrebatadora “Stay or Leave”, que acompanhamos em coro e nos deixa de peito aberto. A elegia ao amor de “Crush”, seguida da terrivelmente bela “Lover Lay Down” que termina num diálogo arrepiante entre o baixo de Stefan Lessard e o saxofone de Jeff Coffin. A encantadora “Satellite” e a poderosa “Grey Street”, que obriga Carter, já de saída do palco, a regressar à bateria para sincronizar as palmas e o coro da plateia em delírio antes de acabar o primeiro set.
Nove faixas passaram num sopro e Dave convida-nos a um descanso com uma “cerveja”, enquanto se prepara o palco para o segundo set, que irá ter uma vertente mais acústica. No entanto ninguém toca na bateria de Carter e também não vemos o contrabaixo de Stefan Lessard em parte alguma, pelo que se dissipam as dúvidas quanto a um longo set acústico (formato que este ano a banda experimentou na sua digressão de verão norte-americana). Não chegamos a arredar pé para ir buscar a tal cerveja, com medo de perder o lugar privilegiado perto das grades e aproveitamos para entabular uma divertida conversa com operador de câmara da banda, que acabou de vir dos bastidores, onde se comenta a loucura do público português e nos diz com um ar resignado “The more noise you make, the more I will have to work… this is going to be a long, long show!”. E para quem duvidar desta conversa, é Dave quem o diz, ao subir sozinho ao palco após o intervalo, com a sincera afirmação “This is the most awesome crowd every time!”. E acreditem que este elogio não é pouca coisa vindo de uma das bandas com mais horas de palco de sempre, que já correu os cantos ao mundo.
Abraçamos o segundo set com o solo de Dave ao piano, e depois na guitarra acústica, para as frágeis “Death on the High Seas” e “Little Red Bird”. Mas a verdadeira comunhão só chegaria depois, ao vermos Tim Reynolds pegar na guitarra acústica para acompanhar Dave num dos momentos mais intensos da noite, a metafísica “Bartender”. Fechamos os olhos entregues ao lamento nos gritos de Dave e aos drones alienígenas da guitarra de Tim, desejando por momentos estar num dos conhecidos concertos da dupla, que infelizmente ainda não cruzou as salas de Portugal. Depois disto pode esta noite ficar mais perfeita? Só se for com a rara “Seek Up”, uma das mais antigas da banda e das melhores provas de Dave como letrista. Por esta altura este concerto já nos parece desumano para corações mais fracos e o que se segue é por risco e conta da banda, que sem cerimónias nos apresenta a sequência explosiva de “Don’t Drink the Water”, “#41”, “So Much to Say”, “Anyone Seen the Bridge” e “Too Much”, repleta de jams extasiantes. Já roucos e exaustos, até agradecemos a chegada de “If Only” para repormos energias, mas o que alguns previam ser um dos momentos mais banais da noite não aconteceu, porque quem termina esta música é outra vez o público num coro ensurdecedor, que arranca os maiores sorrisos à banda e acreditamos que também alguns arrepios.
Por esta altura já há quem olhe de soslaio ao relógio, é que após a energética “What Would You Say”, ainda se aventura uma “Jimi Thing” e isso significa que vêm por aí mais uns meros quinze minutos de música, onde todos têm o seus solos para brilhar e em que Dave costuma ter os seus acessos mais epilépticos de nonsense vocal. Se passarmos o teste de uma “Jimi Thing” ao vivo temos garantia de fã, senão talvez seja melhor procurarmos outra paixão musical. Gostar da DMB é também vibrar com o virtuosismo do talento individual de cada músico e com a cumplicidade que os anos de palco e amizade criaram na banda, não existem atalhos aqui.
Perto da meia noite chegamos ao encore com “Rapunzel” (mas pode ainda haver encore?). Num aplauso desmedido, um a um abandonam o palco, excepto Carter que fica para a habitual distribuição generosa das desejadas baquetas. E agora há força para clamar pelo regresso da banda? Claro que sim e pela primeira vez concordamos com o uso abusivo de telemóveis num concerto, porque a visão das suas luzes espalhadas pelo balcão e plateia da enorme Meo Arena é uma imagem bonita demais para se perder, para nós e para a banda que regressa profundamente agradecida e incrédula.
Só há uma maneira possível de terminar isto e tem de ser com “Ants Marching”, a música que os fãs adoptaram como sua. Fisicamente estamos destruídos, quer seja pelo cansaço, quer seja pela adrenalina que nos correu pelas veias nas últimas quatro horas, mas o que levamos connosco desta noite é inestimável e um alimento para a alma que tentaremos conservar até que a DMB atravesse novamente o oceano até este canto da Europa. Só pedimos que da próxima vez a espera não seja tão longa.