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Dois concertos, dois pesos, a mesma medida, um amor incondicional do público português a Dave Matthews e Tim Reynolds, que esgotaram os coliseus de Lisboa e Porto há uma semana atrás, deixando muitos dos presentes de coração cheio e sorriso tolo a cada vez que regressam às memórias dessas duas noites inesquecíveis.
Se enquanto banda Dave e Tim já sabiam o que esperar, pelos concertos que a Dave Matthews Band já tinha dado por cá, neste formato acústico talvez contassem com um público mais sereno, à medida de duas noites mais intimistas em salas de menor lotação. Tal não aconteceu e também ninguém pareceu ficar desapontado com isso. O fervor fez estremecer os soalhos dos coliseus e a energia electrizou o ar, criando no entanto dois ambientes bem distintos entre as noites de Lisboa e Porto, mas lá chegaremos, façamos antes um pequeno parêntesis para algo que tem intrigado muitos dos estrangeiros que vieram assistir aos concertos da dupla por cá e a nós também.
De onde vem este enamoramento entre Portugal e a Dave Matthews Band? Ninguém sabe explicar bem como ou quando começou, o que torna o fenómeno caso sério de estudo que poderia bem servir a tese de mestrado. Enormes nos Estados Unidos, perfeitos desconhecidos na Europa, ou apenas no radar de alguns ouvidos mais ecléticos, como alguns gostam de pensar, era assim que víamos a Dave Matthews Band por cá há cerca de uma década atrás.
Tropeçar numa “Don’t Drink The Water” ou numa “Crash” na rádio nacional era motivo de regozijo secreto. Assistir a um concerto da banda existia apenas no imaginário daqueles que ambicionavam um dia cruzar o atlântico. Encontrar alguém que partilhasse disto era tão fácil como descobrir uma agulha no palheiro. Por isso recordar o ainda Pavilhão Atlântico quase repleto em completa histeria para a estreia da Dave Matthews Band em Portugal é algo que 10 anos depois ainda impressiona a memória de quem lá esteve e que não encontra explicação.
E o que poderia até ter parecido apenas uma paixão fugaz é hoje relação de pedra e cal, para os que sempre lá estiveram, para os curiosos que só recentemente se juntaram e para aqueles que voltarão sempre em busca de uma nostalgia que só a música da Dave Matthews Band parece conseguir resgatar.
Faltava apenas uma promessa por cumprir em solo português, um concerto acústico de Dave Matthews e Tim Reynolds. Uma promessa que nos pareceu ter sido feita quando no último concerto da banda em 2015, a dupla subiu sozinha ao palco da MEO Arena para uma arrepiante “Bartender”, um dos momentos mais marcantes dessa noite.
O resultado? Dois coliseus esgotados em Portugal face a audiências mais discretas nas restantes cidades europeias pela qual a digressão também passou, que levou Dave Matthews no concerto do Porto a brindar o público português com o melhor dos elogios, ao explicar que este ano, ao contrário de digressões anteriores que começaram em Portugal e terminaram noutros países, tinham decidido terminar propositadamente em Portugal, porque segundo ele “once you’ve tasted caviar it’s hard to go back to the regular eggs”. Momento alto da noite, o primeiro a ameaçar os alicerces do coliseu.
Duas noites, duas setlists de luxo para fazer roer de inveja até aquele fã americano que se gaba de já ter assistido para lá de 80 concertos da banda. Com a setlist de Lisboa, arriscamos dizer, a ganhar alguns pontos à do Porto, mais não seja por aquele momento mágico que aconteceu na ponte perfeita entre a sempre muito pedida “#41” e a apaixonante “Say Goodbye”, que nesta digressão ainda não tinha tido honras e que nos chegou a Lisboa, acreditamos que, a pedido muito especial de dois fãs, que horas antes do concerto conheceram Dave Matthews.
De acordo com as preferências de cada um poderá ser discutível que a melhor setlist das duas noites tenha calhado a Lisboa, mas daquilo que não restam dúvidas é que foi o Coliseu dos Recreios a arrecadar o primeiro lugar de decibéis de histerismo colectivo. Histerismo que poderá ter caído algumas vezes no exagero, sobretudo nos momentos em que se pedia algum silêncio para o virtuosismo dos solos de Tim Reynolds ou para os devaneios de Dave Matthews, que poucas vezes conseguiu falar sem interrupções de uma turba que explodia a cada palavra sua. Aqueles que, para além de um serão de boa música, contavam também com a boa disposição e as histórias hilariantes pelas quais Dave Matthews tem por hábito discorrer nestes concertos acústicos, poderão ter abandonado o coliseu algo desapontados.
Mas valha-nos o histerismo que nos conseguiu não dois mas três encores e por pouco não arrancava um quarto. Perplexidade estampada nas caras de Dave e Tim, que por esta altura ainda não aprenderam a lidar com esta paixão exarcebada do público português, que para além das muitas palmas, assobios e gritos, não perde também um refrão para entoar um cântico, recordando brincadeiras passadas de outros concertos como na “Grey Street”, que em 2015 até fez Carter Beauford regressar à bateria no final para acompanhar o público, ou como o baixo da “Two Step” que marcou o concerto no Alive de 2009.
O mesmo público que em ambas as noites é capaz de cantar a “Crush” de fio a pavio, num arrepio colectivo. O mesmo que sabe que no final da “The Stone” se canta “Can’t Help Falling In Love”, imortalizada pelo rei Elvis Presley e que na “Ants Marching” reclama a si aqueles versos que sabe serem só seus. Este é o público pelo qual Dave Matthews em Lisboa se diz sentir “esmagado” a cada vez que aqui regressa e que no Porto compara a caviar. Este é o público difícil de explicar a quem lá fora nos olha como um bicho curioso.
E se Dave Matthews é expressivo no seu amor por Portugal e pelo vinho do Porto, possível culpado por nos mostrar um Dave cómico e cheio de histórias no concerto do Porto, consequência também de um público mais comtemplativo, mais difícil de perceber é Tim Reynolds. Muitas vezes apelidado de alien, denominação acertada se estivermos a falar dos sons que arranca à guitarra que não são seguramente deste planeta em que nos movemos. Sons dissonantes que encontram harmonias impossíveis, por vezes de difíceis de aceitar e entender, como quase tudo aquilo que vale realmente a pena. No Porto derrubou-nos a todos com a rara instrumental “You Are My Sanity” e parece ter-se derrubado a si também. Se no final terá sido um cisco ou a emoção que lhe atraiçoou os olhos nunca saberemos realmente.
O que sabemos é da genuína admiração de Dave por Tim, transparente na devoção com que o observa do canto do palco quando o deixa sozinho para tocar os instrumentais e que, ao regressar, nos confessa com humildade o privilégio que tem sido tocar ao seu lado todos estes anos, algo que aos seus 21 anos nunca teria sonhado ser possível, das muitas vezes que ia ver Tim tocar num bar.
Espaço ainda para um convidado especial em ambas as noites. O cubano Carlos Varela, que no Porto festejou emocionado com o público o seu aniversário, subiu ao palco para emprestar a sua voz em “Muros y Puertas”, um testemunho à liberdade que “só existe quando não é de ninguém”. Um dedo na ferida a esta nova América de Trump, mas em tom de esperança com Dave a relembrar que se há aqueles que constroem muros existem também os que abrem portas.
No final ficaram-nos dois concertos de três encores cada, para lá de seis horas de música, de um dos mais bonitos bromances na música, uma cumplicidade absoluta feita até dos pequenos erros como o gozo quase infantil que ambos sentem quando conseguem terminar uma música no mesmo acorde, como se tudo aquilo estivesse a acontecer pela primeira vez e não fosse resultado de tantos anos de palco e muitos outros de amizade. E nós privilegiados testemunhas disto tudo, desta alegria que só parece existir na música de Dave Matthews que mistura sem medo morte com vida, amor com desejo e nos faz sentir a todos uma vontade de fazermos de nós e do mundo um lugar melhor.