Reportagem


Deftones

Esse rolo compressor que nos esmagou a todos sem misericórdia

Super Bock Super Rock

15/07/2017


© Mário Vasa // World Academy // Super Bock Super Rock

Enfrentar um concerto de Foster the People, no meio de uma juventude em histeria, para garantir um lugar nas filas dianteiras para Deftones, é o auto maior de fé que o verdadeiro fã hardcore teve de enfrentar no último dia do Super Bock Super Rock. A todos os resistentes – o nosso pensamento esteve convosco. Ao menos foi-vos poupada a hora de Fatboy Slim, sujeitos a escorregar e ainda arriscar partir alguma perna na pista azeitada.

O alinhamento do palco principal nesta edição do festival terá sido dos mais incoerentes de que temos memória nos últimos anos, sendo os dois últimos dias os mais esquizofrénicos, onde, consequentemente, se deram muitos dos concertos menos interessantes deste Super Bock Super Rock. Por isso falemos num dos poucos que falou em nome próprio e que fez a MEO Arena tremer – Deftones, esse rolo compressor que nos esmagou a todos sem misericórdia.

Durante a tarde avistavam-se já várias t-shirts da banda californiana pelo recinto, muitas menos do que aquelas que vimos no primeiro dia, para os seus conterrâneos Red Hot Chili Peppers, é bem verdade, mas as de Deftones ao menos surgiam-nos em vários modelos e cores, coçadas pelo uso, sem parecer que tinham acabado de sair directamente do merchandise do festival.

Quando Chino Moreno irrompe pelo palco com a furiosa “Headup”, atropelando tudo e todos com a força de um camião TIR, sabemos que dali, nesta noite, ninguém sairá ileso. Começou e vamos todos apanhar uma pedrada feita deste nosso amor comum pela música. Do velhinho Around The Fur – sim, vamos assumir que 1997 já pode ser considerado velho – sai também “My Own Summer (Shove It)”, tomem lá duas bombas logo assim de rajada.

Quase nem damos pela mais insípida “Swerve City”, quando surgem de seguida “Digital Bath”, que induz as primeiras lesões nas cordas vocais e “Elite”, que provoca os primeiros sangramentos dos ouvidos. Se ao menos um dia fosse possível assistir a um concerto do White Pony do início ao fim. Eis que os deuses, que ainda não ensurdeceram nesta noite, tomam nota do nosso pedido, “Knife Party”, “Change (In the House of Flies)” e “Back to School (Mini Maggit)” aparecem em sequência no horizonte mais adiante – ok já parámos de nos queixar.

Curiosamente do novíssimo Gore, que poderia naturalmente ter dominado a setlist, apenas ouvimos a melódica “Phantom Bride”. Parece que o novo disco da banda ainda não deixou ninguém totalmente convencido, provavelmente nem os próprios. E os presentes exultam com o desfilar de tantas glórias antigas. Não há nada de errado em construir um concerto baseado nos melhores trabalhos da banda.

Como é que Chino Moreno consegue manter aquela cintura torneada, nas mil correrias enfurecidas que desbrava em palco, é algo também que escapa à nossa compreensão. Desdobra-se em headbanging, chicoteia o ar com o microfone preso pelo cabo e por várias vezes desce para se entregar aos braços do público, proporcionando o único momento “fofinho” da noite, quando uma fã o abraça enternecida em “Knife Party” e cá mais atrás confessamos que até nos sentimos algo invejosos da sua sorte. A agressividade do californiano e da sua voz rasgada é contraposta pelo sorriso franco com que enfrenta a plateia. Se Dave Grohl é o gajo mais porreiro do rock, ali nesta noite, para nós, Chino é o gajo fixe do metal alternativo.

Clareiras de moshpits que despontam por todo o lado, uma MEO Arena a comungar do mesmo headbanging frenético, no público e em palco, muitas pernas no ar, muita cerveja atirada ao ar em desperdício. O som da sala continua a sofrer daquele mau karma terrível, mas neste momento já ninguém quer saber disso. Cá mais atrás já perdemos a conta aos crowd surfers que vimos os seguranças arrancar às filas da frente (o que nos coloca todas aquelas dúvidas existenciais: para onde vão os crowd surfers depois de puxados da plateia? Se um crowd surfer desaparecer no meio do público sem ninguém ver, será que desapareceu mesmo?)

A despedida faz-se ao som de 1995, “Bored”, “Teething” e “Engine No. 9”, não podíamos pedir muito mais honestamente e Chino ainda nos presenteia com o seu lado rapper, numa justa homenagem a Nas, intercalando rimas da clássica “Life’s a Bitch”, de Illmatic, o álbum rap mais icónico dos anos 90 – quem foi que disse que o metal e o rap vinham de universos opostos?

No final as caras esfuziantes com que nos vamos cruzando à saída não escondem o óbvio – acabámos de viver um dos melhores momentos deste Super Bock Super Rock. Afinal é possível dar um concerto de hora e picos e deixar toda a gente satisfeita.


sobre o autor

Vera Brito

Partilha com os teus amigos